20.3.13

Celebração do Dia Mundial da Filosofia


 Jacques - Louis David (1748-1825), A morte de Sócrates
 

     No dia 15 de novembro celebrou-se mais um Dia Internacional da Filosofia, instituído pela Unesco desde 2002. À semelhança de outros anos, o grupo de Filosofia, assinalou este dia com a análise e discussão de um excerto de Críton, de Platão. O tema proposto pela Unesco, este ano foi “as gerações futuras”, que se enquadra perfeitamente no “clima de incerteza” que se vive atualmente.
Inspirando-nos em James Rachels, Os Problemas da Filosofia, propusemos aos alunos uma reflexão sobre os direitos e deveres de cidadania. Assim, A partir dos argumentos de Sócrates, baseados no dever de respeitar as leis, no dever de obediência ao Estado e no dever de cumprir os contratos, questionamos:
Devemos obedecer sempre ao Estado? Desobedecer excecionalmente a uma lei injusta implicará a destruição do Estado? A nossa vida é comparável à sobrevivência do Estado? Não haverá situações em que surgem dúvidas razoáveis quanto à legitimidade das leis? Se o Estado condena injustamente, será que ainda podemos falar de quebra de contrato? Deveria Sócrates aceitar a pena de morte, ainda que injusta, ou fugir da cidade? Quais as consequências que daí adviriam? Não poderia Sócrates fugir e tentar provar depois a sua inocência à semelhança da personagem Dr. Richard Kimble em O Fugitivo?
Eis duas respostas diferentes:

Sócrates devia recusar a condenação injusta
 Será que vale a pena morrer para salvar a nossa honra, ou a vida é mais importante mesmo que a nossa honra seja posta em causa? Esta é uma questão que envolve a nossa dignidade. Se aceitarmos morrer para salvar a honra, salvamos a nossa dignidade, mas não valerá de muito, pois o que importa a dignidade se estivermos mortos? Se escolhermos viver, pelo menos poderemos desfrutar da vida. Por outro lado, a dignidade pode ser mais importante que a vida, pois é a forma como vivemos e morremos que é recordada pelas pessoas que nos conhecem. Esta é sem dúvida uma questão importante.
Na Grécia antiga, a dignidade e a honra eram qualidades humanas muito importantes mais valiosas que a própria vida. Sócrates, injustamente condenado à morte, tinha duas hipóteses: aceitar a sentença de morte ou sair da sua cidade, Antenas. Se Sócrates saísse da cidade, iria contra os seus princípios e comprometeria o futuro da sua família, que seria com ele ostracizada. Se aceitasse a pena, podia salvar a sua honra e a da sua família. Hoje em dia, a honra e a dignidade já não significam tanto para as pessoas como significavam no tempo de Sócrates. Por exemplo, muito poucas pessoas teriam a coragem de enfrentar a morte, apenas para não serem ostracizadas.
No diálogo Críton, Sócrates apresenta vários argumentos contra a sua fuga da cidade. O primeiro é que ele deve obedecer à lei, porque desobedecer-lhes é destruí-las; tal como devemos obediência aos nossos pais, também devemos obedecer às leis, que nos fazem “nascer” cidadãos. Além disso, Sócrates, não contestando a lei e vivendo na cidade, aceitou implicitamente o contrato social, que seria violado caso ele não aceitasse a pena a que tinha sido condenado. Não respeitar os contratos leva também à destruição das leis e do Estado.
Os argumentos parecem convincentes, mas pergunto-me: valerá a pena morrer para não desrespeitar as leis? Será que as leis valem mais do que a nossa própria vida? Eu penso que não e acho que Sócrates devia sair da cidade. A vida é muito valiosa, porque não sabemos se teremos a oportunidade de viver outra, por isso, quanto mais tempo vivermos, melhor. Se isso significar a infração de alguma lei, que seja, todos os dias há infrações e uma infração pontual não destrói a lei nem o Estado. Além disso, nenhuma lei pode ser mais importante que as pessoas. No lugar de Sócrates, nunca aceitaria uma condenação injusta. É por isso que o admiro, pela sua bravura e coragem.
Bruno Tereso,10.º D 
Sócrates agiu bem aceitando a pena de morte com dignidade
 
Em diversas situações a dúvida recai sobre nós: deparamo-nos com problemas em função dos quais somos obrigados a fazer escolhas. Escolhas essas que podem ajudar-nos ou prejudicar-nos apenas em determinada situação ou, por outro lado, escolhas que podem influenciar toda a nossa vida. Sobre Sócrates abateu-se a dúvida sobre se deveria fugir da prisão ou aceitar a sentença que lhe havia sido destinada, ainda que injusta. Apesar de, atualmente, a pena de morte já não existir no nosso país, os dilemas continuam a ser os mesmos: obedecer ao que é decretado pelos Tribunais? Ou tentar defraudar essas decisões e viver como se nada de mal tivesse sido feito? Não falemos apenas de situações extremas como a de Sócrates: em pequenas coisas, fuga aos impostos, falta de pagamento de uma multa, … estamos já a fugir às legislações e a contribuir para que outros pensem fazer o mesmo, o que levará a um ciclo vicioso em que nos tentamos enganar uns aos outros e ao Estado. Como cidadãos que somos, é nosso dever respeitar as leis e aqueles que as regem.
 
 E sobre leis assenta também o problema de Sócrates. Após refletir sobre qual a decisão mais acertada a tomar, ouviu a opinião de Críton que o aconselhou a fugir da cadeia, ao qual Sócrates responde, invocando as Leis e apresentando diversos argumentos. Refere a importância e o dever cívico de obedecer às leis, pois caso isso não acontecesse, na sua opinião, o Estado destruir-se-ia. Referiu-se ainda à analogia entre os pais e o Estado: se temos o dever de obedecer a uns, não teremos também o dever de obedecer ao outro? Como terceiro argumento, invoca o contrato tácito implícito e a importância de obedecer a qualquer contrato: se usufruímos dos benefícios do Estado, temos para com ele uma obrigação de respeito das leis e de todos os contratos.
No entanto, estes argumentos merecem uma análise quanto à sua validade: será que desobedecer excecionalmente a uma lei destruirá o Estado? A desobediência de uma pessoa a uma lei não provocará nenhum impacto de maior, mas, se várias pessoas procederem do mesmo modo, isso poderá trazer consequências negativas para todos os cidadãos. Quanto ao segundo argumento, podemos questionar se devemos mesmo aceitar tudo o que nos é proposto pelo Estado. Mesmo com os nossos pais, temos a obrigação de ser críticos e chegar a um acordo que não seja injusto e satisfaça as duas partes; então, se é feita uma comparação entre o Estado e os nossos pais, a mesma situação deve acontecer: não devemos aceitar cegamente tudo o que nos é comunicado, mas avaliar a veracidade e a lógica de cada lei e, só depois, recorrer aos meios legais para contestar e procurar uma reavaliação daquilo com que não concordamos. Recorrendo a um dos ensinamentos do filósofo já anteriormente referido, Sócrates, percebemos que devemos ser críticos em qualquer situação, nunca desrespeitando os outros, mas procurando expor a nossa opinião de modo fundamentado. Relativamente ao acordo tácito que, supostamente fizemos com o Estado, é importante referir que, se o órgão de justiça não julgar de modo correto, não podemos falar de desobediência civil, pois já não houve um exemplo positivo por parte do primeiro. Com este exemplo, podemos mostrar que o contrato tácito não está a salvo de quebras.
Após refletir sobre os benefícios e os malefícios de fugir da prisão, Sócrates concluiu que ao fugir iria prejudicar a sua família e os seus amigos (uma das leis da Grécia Antiga implicava os direitos de cidadania da família e amigos de alguém que desrespeitasse uma lei) e preferiu morrer com dignidade, a viver escondido, envergonhando-se das suas atitudes. Na minha opinião, o filósofo tomou a decisão correta, resignando-se ao seu destino e respeitando a terra que sempre tomou como sua. A dignidade e a capacidade de não fugir aos problemas são valores muito importantes no caráter de uma pessoa, pois mostram quem somos. Caso optasse por fugir da cidade, Sócrates identificar-se-ia como uma pessoa fraca e que não honrava os seus compromissos e aquilo a que se propunha. Em conclusão, são mais importantes os valores que defendemos e as nossas atitudes do que os bens materiais que tanto caracterizam a nossa sociedade atual.
Inês Couto, 10.º D 
 
Texto anteriormente publicado no Jornal Toque de Saída    
 





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