27.11.11

A Solidariedade

Um excerto de um texto do filósofo português José Gil, publicado no último número da revista Visão de 24 de Novembro de 2011, que aborda de uma forma que me parece muito correta a questão da solidariedade, a qual já algumas vezes analisamos nas aulas.

Nascem agora, neste momento de crise aguda de países europeus, inúmeras iniciativas cujo objetivo é ajudar os mais carenciados, vindas de associações,agrupamentos, bancos, empresas. Este voluntariado espontâneo é necessário e reativa aquele fundo primitivo de coesão social que faz um país. Qualquer coisa de muito importante - da ordem da sanidade social - é assim acordado nas consciências das pessoas: atenção ao outro, perceção despojada e nua de um humano por outro humano reatando o laço afetivo originário que reconhece o outro para além do seu estatuto social, familiar, das suas opiniões políticas, etc.
Mas é preciso que a solidariedade não signifique caridade humilhante ou afirmação de uma qualquer supremacia social. A entreajuda supunha uma igualdade fundamental entre os membros da comunidade. Muitas atividades que se exercem sob uma falsa ética da solidariedade escondem negócios inconfessáveis, boa consciência (do estado e dos indivíduos) adquirida a baixo preço, álibis de uma «economia social» que, afinal, não transforma minimamente a economia real geradora das desigualdades que a primeira procura reduzir.
A solidariedade económica e social que hoje se desenvolve por toda a Europa - dos bancos sem juros da Dinamarca aos «bancos da fome» das instituições de assistência aos «pobres» - aliviando o sofrimento e dando oprtunidades aos mais desfavorecidos, só se legitima se se desviar da tendência hegemónica do capitalismo global, considerando o outro não como um diminuído mas como alguém simplesmente humano com pleno direito de acesso a tdos os direitos, inclusive ao de ser ajudado. Não é esse mesmo direito que tem a vítima de um furacão ou de um sismo a ser assistido pelo estado?

Imagens do Google: «solidariedade» e José Gil.

25.11.11

Uma sugestão musical


Principalmente para os meus alunos que me têm dado a conhecer os seus gostos musicais e, assim, ajudado também a descobrir alguma boa música contemporânea. Uma interpretação surpreendente da Gnossiene nº1, de Erik Satie, pelos Triste Sire, http://www.tristesire.com/menu.html

Uma interpretação tradicional desta obra de Satie, pode ser escutada em http://www.youtube.com/watch?v=PLFVGwGQcB0

Vale a pena conhecer também as Gymnopedies (1, 2 e 3) do Satie.
Bom fim de semana.


17.11.11

"Libertas Philosophica"

Nascido em Itália, no ano de 1548, Giordano Bruno foi mais do que um mártir da falta de liberdade de expressão imposta por um tempo em que os pensadores e cientistas não poderiam ir além do princípio de autoridade. Ainda que os ideais do Renascimento já vigorassem na Europa, aqueles que pretendessem encontrar a verdade teriam de se restringir à Revelação divina e à física aristotélica. Porém, houve outros que ao longo da História não permitiram que o seu espírito se subtraísse às verdades impostas e, em consequência disso, sacrificaram a sua vida por uma ideia que despontava da experiência da liberdade de pensar, sonhar e filosofar.
Os seus cinquenta e dois anos de vida dão conta de um percurso atípico do intelectual renascentista: defensor dos princípios humanistas, frequentador das cortes europeias, orador em várias universidades, protegido de reis, correligionário de protestantes e de católicos, excomungado por católicos e protestantes. A sua ligação à religião preludia a que será de Espinosa, quase cem anos depois; as suas descobertas científicas são mais arrojadas que as de Galileu Galilei ou Tycho Brahé, defendendo-as de um modo tão feroz quanto foi o seu destino.
Dotado de uma capacidade extraordinária para usar o dom que os gregos chamavam de mãe das Musas, a Memória, foi requisitado por reis e nobres. Em 1590, cansado de vaguear pelas universidades europeias e de ensinar a teoria heliocêntrica, que na época mais ninguém se arriscava a propalar, aceitou o convite do nobre veneziano Giovanni Mocenigo para regressar a Itália, com a condição de o iniciar na arte da mnemotécnica (ou seja, a arte de desenvolver a memória). Porém, temendo que a avareza do seu aluno empregasse os seus ensinamentos nas más obras, recusou-se a fazê-lo. Por vingança, o seu discípulo aprisionou-o num quarto e denunciou-o ao Santo Ofício. Apesar dos dez anos de prisão, tortura e apresentação de provas em sua defesa, jamais renunciará aos princípios que defendia, e será condenado à morte na fogueira, sob a acusação de heresia.
Se defendia que os mundos eram infinitos tal como o seu criador, que Deus não é transcendente, mas imanente às coisas, que a Revelação não serve de prova científica, ou se defendia o heliocentrismo e a existência de vida inteligente noutros planetas, o Tribunal do Santo Ofício foi mais astuto e condenou-o por magia e bruxaria. No entanto, o filósofo italiano não era um mago. Munido de um espírito insaciável, cruzou a ciência e a razão com o misticismo e a fé, não segundo os ditames da época, mas rememorando ideais perdidos no esquecimento da história: peregrinando solitariamente por uma trama de caminhos cruzados entre o neoplatonismo e o hermetismo (conjunto de ensinamentos oriundo do Antigo Egipto que prestavam fidelidade ao deus da escrita e da medicina, Toth). A sentença do Tribunal concretizou-se a 17 de Fevereiro de 1600, no Campo di Fiori, em Veneza.
De Giordano Bruno não restaram muitas obras, pois a maioria foi acrescentada ao Índex, mas o princípio que perseguiu durante toda a vida perpetuou-se - Libertas philosophica - o direito de pensar, sonhar e filosofar.

Passados 402 anos da morte de Giordano Bruno, a humanidade, representada pela Unesco, em prol da defesa da liberdade de expressão e do pensamento racional, pode pôr em ato a "libertas philosophica" tão propalada pelo filósofo italiano.

Professores Graça Silva e Valter Boita

16.11.11

Será possível fazer alguma coisa que não seja por interesse próprio?

Em 2002, a Unesco definiu a terceira quinta-feira do mês de novembro para se assinalar o Dia Mundial da Filosofia, a fim de valorizar a importância do pensamento crítico e dialógico numa sociedade cada vez mais global. Este ano, comemora-se a 17 de novembro o Dia Mundial da Filosofia e, por isso, este post pretende, mais do que comemorar o que quer que seja, ser um incentivo ao filosofar.



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Desafio:






Considerando que um enigma filosófico pode servir de alimento são a uma mente sedenta pelo saber, lê o texto que apresentamos, extraído da obra de Peter Cave, Duas vidas valem mais que uma?, que tem como principal objetivo confrontar os leitores com 33 enigmas filosóficos, perante os quais nenhuma mente desperta fica indiferente.







- Posso servir-me?



Eis aqui algumas palavras, uma cortesia de John Audrey, sobre Thomas Hobbes, o filósofo político do século XVII. As pessoas costumam entusiasmar-se por Hobbes ao lê-las.




Ele foi muito caridoso (o melhor que a capacidade dele permite) para aqueles que eram


verdadeiros objetos da sua generosidade. Uma vez, lembro-me eu, ao passar na Strand,


um pobre velho enfermo pedia esmola. Ele [Thomas Hobbes], olhando-o com piedade e


compaixão, levou a mão ao bolso e deu-lhe seis centavos. Um clérigo que estava por perto


disse:



- Teria feito isto, se não fosse um mandamento de Cristo?



- Sim.



- Porquê?

- Porque eu fiquei condoído com a condição miserável do velho e agora a minha esmola, por lhe ter dado algum alívio, também me aliviou.



A moral que se tira muitas vezes dessas histórias é que nunca agimos sem ser no nosso próprio interesse. É verdade que por vezes ajudamos os outros, mas isto é só para aliviar o nosso desconforto em os ver no desconforto e é o que acaba por nos motivar.



A história que é sugerida é que todas as nossas ações, apesar das aparências dizerem o contrário, são na verdade centradas em nós, são egoístas. A mãe que corre para uma casa em chamas para salvar o seu filho é motivada pelo medo, medo de como se sentiria se deixasse o seu filho morrer. Os santos que sacrificam as suas vidas, a defenderem as suas crenças cristãs. são motivados pelo desejo de irem para o céu e não para o inferno, depois de morrerem. Os ateus que, por dever, se oferecem como voluntários para ajudar os sem-abrigo, na verdade, apenas querem sentir-se bem consigo mesmos e talvez impressionar os vizinhos.



A última ponderação, se nos atrevermos a desafiar o acima exposto, é que quando executamos qualquer ação, temos de ter alguma motivação - e isso quer dizer que, de alguma forma, queremos fazê-lo e assim agimos para satisfazer esse querer. Mas se estivermos a fazer alguma coisa para satisfazermos os nossos quereres, então agimos de modo egoísta. Esse é o argumento genérico. O que nós queremos pode não coincidir com os nossos próprios interesses, por isso o raciocínio precisa de falar sobre como agimos de acordo com o que queremos ou o que achamos que é o nosso próprio interesse. (Peter Cave, Duas vidas valem mais que uma?)




Formulado de forma mais simples, o enigma filosófico transcrito exprime-se da seguinta forma: Será possível fazer alguma coisa, mesmo que seja de modo altruísta, que não seja por interesse próprio?



Deixa na caixa de comentários a tua posição, devidamente fundamentada. Vamos lá filosofar!

8.11.11

2.11.11

Teremos ou não a obrigação ética de ajudar os mais pobres? II




Este livro já foi aqui apresentado, pela professora Graça Silva. Neste pequeno vídeo, divulgado pelo Centro de Ciência Viva Rómulo de Carvalho, o físico Carlos Fiolhais sublinha o interesse de mais este trabalho de Peter Singer, porque a filosofia, como ele próprio diz, interessa para a ciência porque interessa para o conhecimento.