" A noção de que, num sentido mais amplo, mesmo uma vida feliz é absurda costuma ser apoiada por duas ideias. Uma delas é que vamos morrer inevitavelmente; e outra é que o universo nos é indiferente.
Examinemos separadamente estas ideias.
Que atitude deveremos ter em relação à nossa mortalidade? Obviamente, isso depende do que julgamos que acontece quando morremos. Algumas pessoas acreditam que irão viver para sempre no paraíso. A morte, portanto, é como mudar para uma casa melhor. Se acreditamos nisto, devemos pensar que a morte é boa, pois ficaremos melhor depois de morrermos. Aparentemente, Sócrates tinha esta atitude, mas a maior parte das pessoas não a tem.
A morte pode ser, pelo contrário, o fim permanente da nossa existência. Se assim for, a nossa consciência extinguir-se-á e será o nosso fim. É importante compreender o que isto significa. Algumas pessoas parecem presumir que a inexistência é uma condição misteriosa, difícil de imaginar. Perguntam «Como será estar morto?» e ficam perplexas. Mas isto é um erro. A razão pela qual não conseguimos imaginar como é estar morto é o facto de estar morto ser como nada. Não conseguimos imaginar porque não há nada para imaginar.
Se a morte é o fim da nossa existência, que atitude devemos ter relativamente a isso? A maior parte das pessoas pensa que a morte é uma perspectiva terrível. Odiamos a ideia de morrer e estamos dispostos a fazer quase tudo para prolongar a nossa vida. Porém, Epicuro disse que não devemos recear a morte. Numa carta a um dos seus seguidores, defendeu que «A morte nada é para nós», já que quando estivermos mortos não existiremos e, não existindo, nada de mal poderá acontecer-nos. Não estaremos infelizes, não sofreremos (não sentiremos medo, preocupações ou aborrecimento) e não teremos desejos nem remorsos. Logo, concluiu Epicuro, a pessoa sábia não receará a morte. Epicuro acreditava que, ao eliminar o medo da morte, estas reflexões filosóficas podiam contribuir positivamente para a nossa felicidade durante a vida.
Há alguma verdade nisto. Ainda assim, esta perspectiva ignora a possibilidade de a morte ser má por constituir uma privação enorme - se a nossa vida pudesse continuar, poderíamos disfrutar de todos os géneros de coisas boas. deste modo, a morte é um mal porque põe fim às coisas boas da vida. Isto parece-me correcto. Depois de eu morrer, a história humana prosseguirá, mas não conseguirei fazer parte dela. Não verei mais filmes, não lerei mais livros e não farei mais amigos nem mais viagens. Se eu morrer antes da minha mulher, não conseguirei estar com ela. Não irei conhecer os meus bisnetos. surgirão novas invenções e far-se-ão novas descobertas sobre a natureza do universo, mas nunca irei conhecê-las. Será composta nova música, mas não irei ouvi-la. Talvez venhamos a estabelecer contacto com seres inteligentes de outros mundos, mas não saberei disso. É por esta razão que não quero morrer e que o argumento de Epicuro é irrelevante.
Mas será que o facto de ir morrer torna a minha vida absurda? Afinal, diz-se, o que interessa trabalhar, fazer amigos e constituir família se acabaremos por deixar de existir? Esta ideia tem uma certa ressonância emocional, mas envolve um erro fundamental. Temos de distinguir o valor de uma coisa da sua duração. Estas são questões diferentes. Uma coisa pode ser boa enquanto dura, mesmo que não vá durar para sempre. Enquanto controlaram o Afeganistão, os talibã destruiram diversos monumentos antigos. Isso foi uma tragédia porque esses monumentos eram maravilhosos, e o facto de serem vulneráveis não os tornava menos valiosos. Também uma vida humana pode ser maravilhosa, mesmo que tenha de terminar inevitavelmente. Pelo menos, o simples facto de que vai terminar não anula o [seu] valor."
James Rachels, Problemas da Filosofia, (2009) Gradiva, pp. 289-291, Tradução de Pedro Galvão.
Eminente filósofo americano, (1941-2003) James Rachels ficou conhecido pela sua intervenção no debate filosófico sobre a eutanásia e sobre o relativismo moral baseado na diversidade cultural. A presente obra, aborda as principais temáticas filosóficas da actualidade e destina-se a todos aqueles que gostam de pensar por si.
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