3.7.09

Será a existência humana preferível à de um seixo?

"No século XIX, Schopenhauer, conhecido como sendo o filósofo do pessimismo, acentuou o sofrimento da vida humana: ou queremos alguma coisa que não temos ou temos o que queríamos. De uma maneira ou de outra, sofremos - através da falta do que queremos ou através do tédio pela falta de querer, agora que temos o que queremos. (...)
Se Shopenhauer estiver certo, não seria melhor ser um seixo, e não ter todas as experiências? Se fôssemos seixos na praia, as ondas e os tumultos seriam (...) levados pela maré. (...)
É um erro pensar que se desenvolvermos os meios para alcançar os fins, os meios são irrelevantes, sem qualquer valor em si mesmo e que são apenas os fins que importam. O nosso objectivo pode ser alcançar o topo do monte Everest, mas nós não queremos alcançá-lo simplesmente por qualquer meio. Queremos escalar a montanha, enfrentar as tempestades de neve, persistir na luta, sempre a subir. (...)
Shopenhauer pode ter razão no seu pessimismo, no sentido de a maior parte das vidas envolverem mais sofrimento do que satisfações. Muitos sofrimentos parecem mais ou menos inevitáveis - mesmo para os que são vencedores na vida. Há perdas de família, amigos e parceiros amorosos; a percepção da perda crescente de capacidades na velhice; e muito provavelmente, a experiência directa em nós próprios dessa perda de capacidades. (...) Há a percepção do sofrimento de milhões de outras pessoas, no passado, no presente e no futuro e dos animais. (...)
Qual é o propósito disto tudo? (...) Há objectivos e propósitos na minha vida - mas qual é o propósito ou objectivo da minha vida? (...) [E qual o] propósito de uma vida infinitamente longa?
Talvez devêssemos tomar consciência de que, para alguma coisa ter valor, ela não precisa de ter um propósito. (...)
As vidas podem ser valiosoas, em particular porque são vidas de pessoas apreciadoras das características do universo, da vida e de viver. É verdade, as vidas terminam; mas será que conseguiríamos sequer enfrentar a vida eterna? A consciência da morte envolve muitas pessoas em melancolias desanimadoras e opressoras de «Qual é o propósito?» Lembremo-nos de que não pode haver um propósito acima de todos os propósitos. Os propósitos devem acabar, assim como as explicações.
Todas as coisas que valorizamos, por mais raras e pequenas que sejam, trazem um propósito ou significado às nossas vidas - as amizades, os amores e os absurdos; essas memórias de paisagens entrelaçadas de paixões partilhadas e olhares dirigidos que magicamente seduzem e envolvem; a embriaguês de vinhos e palavras, meditações inconstantes e música, com os quais nos debatemos ao entrar nas noites nebulosas e sonolentas, os nossos sentidos revitalizados por águas cintilantes, tão necessárias de madrugada; as paisagens de mar com ondas selvagens, luares misteriosos e imagens e céus amplos que ampliam o olhar - deixam todas de existir; e curiosamente as mais encantadoras são muitas vezes aquelas nas quais nos perdemos e também deixamos de existir - se elas, e nós existimos em algum momento permanece intemporalmente verdade, fora de todo o tempo. Para os amantes da eternidade, melhor do que isso é impossível."
Peter Cave, Duas vidas valem mais que uma?, (2008), Academia do Livro, pp. 207 - 210. (Texto Adaptado)



Um bom livro para férias. Boas leituras!

Sem comentários: