8.4.10

David Hume, além da experiência...

Ana: Podes explicar-me em que experiência se baseia a noção de causalidade?
David: Se bem entendi, a noção de que há uma relação de causa e efeito entre os fenómenos deve-se à experiência de vermos repetidamente um certo tipo de objecto ou evento, relacionados. Esta experiência de contiguidade leva a mente a inferir um certo tipo de objecto ou evento sempre que tem a impressão do objecto ou evento que habitualmente o antecede.
Ana: É esse tipo de hábito que leva Hume a concluir que a causalidade não é mais do que essa conexão necessária que a experiência do passado formou em nós.
David: Isso mesmo, um hábito mental produzido por factos contingentes ligados ao funcionamento da natureza humana.
Ana: Podes dar um exemplo?
David: Olha o facto de termos experienciado muitas vezes que este banco em que nos sentamos suporta o nosso peso, ou o facto de experienciarmos muitas vezes que o arroz alimenta...
Ana: ... Mas estas são inferências indutivas.
David: Sim.
Ana: Por que razão pensamos assim?
David: Porque esperamos que casos futuros sejam semelhantes aos casos do passado e que o curso da Natureza continue uniformemente o mesmo.
Ana: Estou a ver, é o Princípio da Uniformidade da Natureza, tão caro à ciência e ao conhecimento de modo geral. Temos alguma justificação para pensar assim?
David: Vejamos, em que permissa podemos apoiar a conclusão de que o que aconteceu no passado acontecerá no futuro?
Ana: Na premissa de que a Natureza tem sido uniforme nas nossas observações do passado.
David Pois, mas este argumento é indutivo e circular.
Ana: Será que uma justificação dedutiva seria mais adequada?
David: Não me parece. A razão é que o princípio da uniformidade da natureza não pode ser deduzido das observações do passado. Poderíamos tentar outro tipo de dedução, por exemplo procurar deduzi-lo dos termos em causa. Nesse caso seria uma verdade conceptual semelhante a: "os solteiros não são casados". Mas não há nenhuma contradição na suposição de que a natureza deixará subitamente de ser uniforme (o que contraria o princípio da dedução conceptual). Logo, esta tentativa também falha.
Ana: Então o que é o Princípio da Uniformidade da Natureza?
David: Mais uma vez temos de concluir simplesmente que se trata de um hábito mental, ainda que importante na aquisição de conhecimento. O que acontece é que a nossa natureza humana funciona assim, mas não podemos honestamente excluir a hipótese de que um dia deixe de funcionar desta forma.
Ana: Compreendo. Esta ideia é perturbadora. Parece que a possibilidade de conhecermos alguma coisa fica definitivamente comprometida.
David: Não na totalidade. O conhecimento com base na experiência empírica bem como o conhecimento analítico, são possíveis.
Ana: É verdade, mas Hume pensa que o conhecimento analítico não é substancial. O único conhecimento genuíno tem base na experiência e, esta, baseia-se na causalidade e no princípio da uniformidade da natureza.

7 comentários:

David Vicente disse...

Olá professora,

uma amiga sugeriu-me que lesse este artigo e não resisti a deixar um comentário. Este diálogo entre a Ana e o David (bem escolhidos, os nomes ;-) ) relembrou-me o quão interessantes são temas como este, bem como todas as questões da epistemologia.

Em relação ao blogue, vejo que continua a abordar temas importantes de forma adequada. Os meus parabéns, tanto à professora como a todo o grupo que coordena o Logos-ECB.

Cumprimentos,
David Vicente

Graça Silva disse...

Olá David, obrigada pelas tuas palavras.
Pois é ... as personagens são todos os nossos alunos, todos nós...
A escolha dos nomes ocorreu-me pela recordação de alguns comentários deste blog ;-)

Cumprimentos e desejo de muito sucesso
Graça Silva

Valter Boita disse...

Eh eh eh! Quem serão? Pensei que a escolha dos nomes tivesse sido feita a pensar no seguinte: David (para brincar com o nome do filósofo DAVID Hume), Ana (por ser um nome fácil de identificar como problema filosófico - já que deve ser dos únicos nomes em que pode ser lido de trás para a frente e da frente para trás sem se alterar). :))
Fico contente por saber que alunos que já estão a terminar o ensino secundário continem a visitar o blogue e a interessar-se por filosofia.
Abraços.
Valter

Ana Luísa Pereira disse...

Olá Olá, de facto este meu nome é de uma carga filosófica muito intensa xD (e eu que desconhecia esse facto...) Mas não deixa de ser óptimo vê-lo assim explorado por estas bandas, porque se há coisa que me pesa ter deixado pelo caminho são, sem dúvida, as aulas de Filosofia.

Graça Silva disse...

Olá Valter,
De facto podia ser D. Hume e talvez Hanna Arendt?
Mas não me ocorre nenhuma conversa entre os dois :-)

Ana,
obrigada pelas tuas palavras e por continuares a visitar-nos.

Valter Boita disse...

Olá Graça! Sim, Hannah Arendt e David Hume também não estou mesmo a ver. :))
Se calhar a esta hora estarão a discutir saudavelmente numa sala qualquer de um dos paraísos possíveis.
Agora lembrei-me de um livro que li ainda era aluno do secundário: "O cáfé dos filósofos mortos". Conheces?

Até amanhã

Graça Silva disse...

Olá Valter,
também li esse livro e ainda o conservo. Uma forma atraente de apresentar a História da Filosofia, aliás como o Gaarder, no Mundo de Sofia.
Cump.