4.5.10

O dilema do prisioneiro

Vincent Van Gogh, Ronda dos prisioneiros (1890)

"(...) Suponha que vive numa sociedade totalitária e um dia, para sua grande surpresa, é detido e acusado de traição. A polícia afirma que tem conspirado contra o governo em conluio com um homem de nome Smith, que foi igualmente detido e está preso noutra cela. O interrogador exige a sua confissão. O leitor protesta a sua inocência; nem sequer conhece Smith. Mas isto de nada serve. Torna-se em breve claro que os seus captores não estão interessados na verdade; por razões que só eles conhecem, querem apenas condenar alguém. E propõem-lhe o acordo seguinte:
- Se Smith não confessar, mas o leitor confessar e testemunhar contra ele, será libertado. Poderá ir em liberdade, enquanto Smith, que não cooperou, ficará preso dez anos;

- Se Smith confessar e o leitor não o fizer, a situação ficará invertida - ele será libertado e o leitor condenado a dez anos;

- Se ambos confessarem, no entanto, cada um será condenado a cinco anos;

- Mas se nenhum confessar, não haverá provas suficientes para condenar qualquer dos dois. Poderão mantê-los detidos durante um ano, mas depois terão de libertá-los.

Por fim, comunicam-lhe que Smith teve a mesma proposta; mas o leitor não pode comunicar com ele e não tem maneira de saber o que Smith vai fazer.

O problema é o seguinte: partindo do princípio que o seu objectivo é passar o menor tempo possível na cadeia, o que deve fazer? Confessar ou não confessar? Para os objectivos deste problema o leitor deve esquecer ideias como as relativas a manter a sua dignidade, lutar pelos seus direitos e coisas do género. O problema não é sobre isso. Deve também esquecer a preocupação de ajudar Smith. Este problema diz estritamente respeito ao cálculo do que é do seu melhor interesse fazer. A questão é: O que poderá libertá-lo mais rapidamente? Confessar ou não confessar?

Pode parecer à primeira vista que a questão não pode ser respondida a menos que saibamos o que Smith vai fazer. Mas isso é uma ilusão. O problema tem uma solução perfeitamente clara: Faça Smith o que fizer, o leitor deve confessar. Isto pode ser demonstrado pelo seguinte raciocínio:

1. Ou Smith irá confessar ou não;

2. Suponhamos que Smith confessa. Então se o leitor confessar será condenado a cinco anos, enquanto se não confessar apanhará dez. Logo, se ele confessar, o leitor ficará melhor se confessar também;

3. Suponhamos por outro lado, que Smith não confessa. Nesse caso o leitor fica na seguinte posição: Se confessar será libertado, enquanto se não confessar ficará detido um ano. É claro, então, que mesmo que Smith não confesse será melhor para si fazê-lo;

4. Logo, o leitor deve confessar. Isso vai colocá-lo em liberdade mais cedo, independentemente do que Smith fizer.

(...) Partindo do princípio de que Smith não é estúpido, chegará [também] à conclusão, a partir do mesmo raciocínio, de que deve confessar. Assim, o resultado será que ambos vão confessar, e isto significa que ambos vão ser condenados a penas de cinco anos. Mas se tivessem ambos feito o contrário, cada um teria saído em liberdade ao fim de apenas um ano. É este o problema. Por terem procurado defender os seus próprios interesses, ambos acabam em piores circunstâncias do que se tivessem agido de forma diferente. É isto que faz do dilema do prisioneiro um dilema. É uma situação paradoxal. O leitor e Smith obteriam melhores resultados se fizessem simultaneamente o que não corresponde aos melhores interesses individuais de cada um. (...)

O dilema do prisioneiro, apesar de fictício, ilustra o que se passa na vida real. Situações do tipo do dilema do prisioneiro ocorrem sempre que se verificam duas condições:

1. Tem de ser uma situação na qual os interesses das pessoas são afectados não apenas pelo que elas mesmas fazem mas também pelo que fazem aos outros; e

2. Tem de ser uma situação na qual, paradoxalmente, todos acabem pior se tentarem individualmente defender os seus próprios interesses do que se fizerem simultaneamente o que não serve os seus interesses individuais.

Este tipo de situação acontece na vida real com mais frequência do que poderíamos pensar.(...)"

James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Gradiva (2004), pp. 209-211

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