3.5.10

Ética, Razão e Emoções

"[C]omo a moral influencia as acções e emoções, segue-se que não pode derivar da razão, pois a razão por si, como já provámos nunca pode exercer tal influência. A moral excita paixões e produz ou impede acções. A razão por si é totalmente impotente neste aspecto. Logo, as regras da moral não são conclusões da nossa razão.
Julgo que ninguém irá negar a correcção desta inferência, e a única maneira de a recusar é negar o princípio em que esta se baseia. Enquanto se admitir que a razão não exerce qualquer influência nas nossas paixões e acções, não vale a pena alegar que a moral é descoberta só através de uma dedução da razão. [...]
A razão é a descoberta da verdade ou falsidade. A verdade ou falsidade consiste num acordo ou desacordo [com a realidade]. Logo, aquilo que não é susceptível deste acordo ou desacordo não pode ser verdadeiro ou falso, e nunca pode ser objecto da nossa razão. Ora, é evidente que as nossas paixões, volições e acções não são susceptíveis de tal acordo ou desacordo - são factos e realidades originais, completas em si mesmas, e não implicam qualquer referência a outras paixões, volições e acções. Logo, não se podem considerar verdadeiras ou falsas, contrárias ou conformes à razão.
Este argumento serve de duas maneiras o nosso propósito. Prova directamente que as acções não têm valor por serem conformes à razão, nem desvalor por lhes serem contrárias; e prova a mesma verdade mais indirectamente, mostrando-nos que, como a razão não pode impedir ou produzir imediatamente qualquer acção, contradizendo-a ou aprovando-a, não pode ser a fonte da distinção entre o bem e o mal morais, que têm essa influência.
Logo, as distinções morais não resultam da razão. A razão é totalmente inactiva, e nunca pode ser a fonte de um princípio tão activo como a consciência ou sentido moral."
David Hume, Tratado sobre a Natureza Humana, 1740, tradução de Pedro Galvão, pp. 294-6
Terá David Hume razão? Qual o papel do amor, da amizade, dos sentimentos de modo geral, nas nossas escolhas morais? Será possível conciliar estes sentimentos com a ética deontológica de Kant? E com o utilitarismo de Stuart Mill?

Sem comentários: