24.4.09

Teorias da Justificação - "O Barco de Neurath"




"Somos como marinheiros obrigados a reparar o seu barco no alto mar, sem qualquer possibilidade de desmontar todas as peças e de o reconstruir em doca seca."

Otto Neurath, Enunciados Protocolares, in Arte de Pensar-11, Aires Almeida e outros, Didáctica Editora (2004)


Em oposição ao fundacionismo, o coerentismo é uma teoria sobre a justificação que vê o conhecimento como um conjunto coerente de crenças que se sustentam mutuamente em estruturas semelhantes a uma rede ou teia. A consistência é uma condição necessária para a coerência, mas não é suficiente, além de consistentes (possibilidade de serem todas verdadeiras em simultâneo), as crenças têm de estar relacionadas entre si de modo relevante. Para haver uma compreensão adequada do mundo, o nosso conjunto de crenças deve ser tão consistente e completo quanto possível e os indícios a favor de uma nova crença não podem ser anulados por outras crenças que consideramos verdadeiras.
Enquanto o fundacionismo vê o sistema do conhecimento como um edifício ou super-estrutura cujas fundações é preciso estabelecer através de uma crença básica, o coerentismo vê o conhecimento como um conjunto de estruturas mutuamente suportadas. Não há dois, mas apenas um tipo de crenças que se ligam entre si de modo interdependente mas não hierarquizado. Um coerentista aceita que as crenças se ligam umas às outras, mas discorda que isto implique que nenhuma das crenças está justificada. Pelo contrário, defende que todas estão justificadas internamente, sem necessidade de nenhum suporte exterior. O que conta não é cada uma das crenças, mas todo o conjunto. Tal como um barco avariado em alto mar não pode ser totalmente desmontado a fim de ser reparado, também não podemos desmontar todo o conhecimento em bloco. O progresso faz-se substituindo crenças que se revelam falsas.
Esta teoria é bastante intuitiva, percebemos que, quando temos um problema em casa reparamos ou substituímos o que está mal, não demolimos a casa toda. Do mesmo modo, quando descobrimos os erros das nossas crenças mudamos apenas as que estão erradas não mudamos todos os nossos conhecimentos.
Mas o coerentismo deixa-nos algumas perplexidades. Por um lado, parece supor como justificado o sistema de crenças que queremos justificar. Por outro lado, se a coerência interna é tudo o que interessa, então parece que esta é muito abrangente, há inúmeros sistemas de crenças diferentes mas internamente coerentes.
Por que razão a ficção como os filmes ou os romances, enquanto sistemas coerentes, não são encarados como descrições da realidade?
Bibliografia: Arte de Pensar- 11, Aires Almeida e outros, Didáctica Editora (2004)
Imagem retirada do Google sem referência ao autor

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