9.3.10

Pensar livremente pode ser uma tarefa intimidante


Gustav Klimt, A árvore da vida
Devemos avaliar todas as ideias racionalmente, ainda que condicionalmente. (…)
Todas as actividades racionais – a filosofia, a física, a história ou a manutenção de motos – são condicionais. Os seres humanos erram, e as pessoas espertas e sábias também erram. É por isso que temos de ter em mente que o que pensamos que sabemos pode ser falso. Mesmo que seja auto-refutante a crença geral de que todas as nossas crenças são falsas, é plausível pensar que dada uma qualquer crença particular, essa crença pode ser falsa. Precisamos do mesmo tipo de equilíbrio que referi relativamente à atitude a ter perante os nossos professores: não podemos lucidamente em nada acreditar (…) mas também não devemos aceitar como definitivo tudo aquilo em que acreditamos. Uma das ilusões humanas mais perigosas é a ilusão cartesiana ou axiomática: a ideia que podemos partir de primeiros princípios auto-evidentes e avançar passo a passo usando apenas regras de inferência auto-evidentes. Isto é perigoso porque fecha os nossos espíritos para a possibilidade de que esses primeiros princípios “auto-evidentes” sejam falsos. E mesmo que tais primeiros princípios sejam auto-evidentes (como a validade do modus ponens), não se segue que devam ser aceites como actos arbitrários de fé: qualquer estudante de lógica sabe que mesmo os mais elementares e auto-evidentes princípios de lógica podem e têm sido racionalmente discutidos e analisados.

Devemos então abandonar toda a aprendizagem e toda a procura de uma melhor compreensão de nós mesmos e das nossas práticas? Não me parece. É absurdo pensar que a investigação tem de parar porque não podemos ter a certeza de que temos razão. É o oposto que é verdade: se pudéssemos ter a certeza de que temos razão – como tantas religiões o afirmam – não haveria necessidade de continuar a investigar a verdade e o valor. A academia moderna deveria ser - e infelizmente por vezes não é – a incarnação da ideia dos gregos antigos de que tudo deve ser criticamente avaliado e de que nenhuma crença está para além da crítica. A filosofia e a ciência e a história não são uma questão de ter A Verdade. São uma questão de argumentar para avaliar criticamente o que pensamos que são as nossas melhores crenças sobre tudo. (…)

Devemos avaliar criticamente as crenças, e estar dispostos a abandonar aquelas crenças que não resistem à crítica. Mas fingir que podemos viver uma vida sem crenças é apenas uma ilusão, ao mesmo nível da ilusão que consiste em acreditar que alcançámos A Verdade.(…) A filosofia – ou, na verdade, qualquer disciplina académica – morre sempre que aceitamos ideias que se recusam a ser criticamente examinadas. Pois se recusarmos o exame crítico, a filosofia transforma-se em mais uma religião, com os seus tabus, verdades reveladas que se fecham à discussão e a tendência para não evoluir ao longo de centenas e por vezes milhares de anos. E a compreensão humana da natureza das coisas fica certamente mais pobre.
Murcho, D., PENSAR OUTRA VEZ, Filosofia, Valor e Verdade, Edições Quasi, págs. 90 a 92.

Os artigos de que vos falei em aula podem ser lidos aqui:

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