7.3.10

Por que razão haveremos de ser morais?

René Magritte

O Homem é uma "ilha"? Poderemos ignorar o "outro" ?

"Uma lenda antiga conta-nos a história de Giges, um pastor pobre que encontrou um anel numa fissura aberta por um terramoto. Giges descobriu que ficava invisível quando girava o anel no seu dedo. Isso permitia-lhe fazer aquilo com que as outras pessoas podiam apenas sonhar: ele podia ir onde quisesse e fazer o que lhe apetecesse, sem medo de ser descoberto. Usou o poder do anel para enriquecer, tirar o que queria e matar quem se metesse no seu caminho. Acabou por invadir o palácio real, onde seduziu a rainha, matou o rei, e se apoderou do trono. Tornou-se rei de todo o território.
Gláucon conta esta história no Livro II da República, de Platão (…) para dar um exemplo de como o comportamento imoral por vezes pode ser vantajoso para o agente. Se Giges permanecesse virtuoso, teria continuado pobre. Ao infringir as regras morais, tornou-se rico e poderoso. Atendendo a isto, por que razão haveria Giges de se ter importado com a moralidade? Aliás, por que razão haveremos nós de nos preocupar com a moralidade, se isso não nos beneficiar? Por que razão haveremos de dizer a verdade, se mentir for mais vantajoso? Por que razão haveremos de doar dinheiro a uma organização de beneficiência se podemos comprar coisas para nós próprios? A moralidade coloca-nos restrições que podem desagradar-nos ou não ser bem-vindas. Por que razão não haveremos de nos limitar a esquecê-la? Gláucon acrescenta que, na sua opinião, todos nos comportaríamos como Giges se pudéssemos escapar impunemente.
(...) [A questão] não consiste num pedido de justificação para o comportamento moral. Se exigisse apenas isso, a resposta seria simples. Não seria difícil apresentar razões que mostrassem que Giges não devia ter roubado e assassinado de modo a conquistar o trono. Roubar é tirar coisas que não nos pertencem e o assassínio inflige um mal terrível a vítimas que não o merecem. Do mesmo modo, é fácil explicar por que razão não devemos mentir ou por que razão devemos doar dinheiro para ajudar os necessitados. Mentir prejudica as pessoas, e as pessoas famintas precisam mais de comida do que as pessoas relativamente ricas, como nós, precisam de tapetes novos ou roupas da moda. (…) Contudo, tais razões apenas determinam o que é certo fazer, e essa não é a questão.
O desafio de Gláucon coloca-se depois de o raciocínio moral estar concluído. Podemos admitir que respeitar a vida e a propriedade das pessoas é certo. Podemos reconhecer que dizer a verdade e ajudar as pessoas é correcto. A questão de Gláucon é: por que razão haveremos de nos importar com fazer aquilo que é certo? Por que razão não haveremos de ignorar isso e viver como nos apetecer?"
James Rachels, Problemas da Filosofia, Tradução de Pedro Galvão, Gradiva, 2009, pp. 259-261 (texto adaptado)

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