6.2.10

O problema do compatibilismo

René Magritte, la promesse
"Na opinião da maior parte dos filósofos de hoje, o Compatibilismo tem as melhores hipóteses de salvar o livre-arbítrio e de proteger a noção de responsabilidade moral do ataque do determinismo. Contudo, o compatibilismo tem um problema grave. O compatibilismo afirma que somos livres se as acções decorrem do nosso carácter e dos nossos desejos não manipulados. O problema é que, em última análise, o nosso carácter e os nossos desejos são causados por forças que não controlamos. Este facto é suficiente para colocar em dúvida a nossa «liberdade». (...)
Os compatibilistas concordam que o carácter e os desejos que temos agora não dependem de nós. Esta concessão parece constituir uma derrota. Pelo menos é suficiente para que as pessoas reflexivas se sintam desconfortáveis, mesmo que a análise compatibilista nos permita continuar a dizer que somos livres. (...) As questões mais preocupantes estão relacionadas com a ética. Se não temos livre-arbítrio, seremos ainda agentes morais responsáveis? A ética não perderá a sua razão de ser? (...)
Para começar, podemos pôr de parte a ideia de que somos «simples robôs» se não temos livre-arbítrio. (...) Temos pensamentos, intenções e emoções. Sentimos felicidade e infelicidade. Amamos os nossos filhos e, se tivermos sorte, eles também nos amam. Dá-nos prazer ir ao cinema, jogar futebol e ouvir Mozart. Os robôs não são assim. A nossa capacidade de ter estas experiências não depende do livre-arbítrio. Mesmo que o nosso comportamento esteja determinado, tudo isto continuará a ser verdade.
Também somos diferentes dos robôs noutro aspecto: temos frequentemente razões para o que fazemos, e isto não deixará de ser assim se não tivermos livre-arbítrio. (...) Obviamente, o sentido em que os nossos objectivos são «nossos» terá sofrido uma mudança subtil. Não poderemos já concebê-los como algo que escolhemos livremente. Vê-los-emos antes como objectivos que resultam da nossa constituição, do que acontece no nosso cérebro e da influência do ambiente. Mas o que interessará isso? Os nossos objectivos continuarão a ser os nossos objectivos (...).
Poderemos deliberar acerca do que fazer se não acreditarmos que temos livre-arbítrio? Alguns filósofos defenderam que, se acreditarmos que não somos livres, não faz sentido «deliberar». Afinal, deliberar significa tentar decidir; o esforço de decidir parece pressupor que podemos fazer coisas diferentes. Este raciocínio parece plausível. Mas o que fazemos realmente quando deliberamos? Pensamos sobretudo naquilo que queremos e no modo como diversas acções conduziriam a resultados diferentes. Pensamos nas crianças na Nigéria, no que é estar doente e não dispor de ajuda, no modo como o nosso dinheiro poderia satisfazer as suas necessidades e assim por diante. (...)
Logo, a negação do livre-arbítrio não implica o fim da ética. (...)
Surpreendentemente, (...) a noção de senso comum de responsabilidade revela-se perfeitamente compatível como Determinismo. Ser responsável, no sentido comum, significa poder prestar contas pelo que se fez - (...).
Do ponto de vista do senso comum, parece que há três condições: 1) temos de ter praticado o acto em questão, 2) o acto tem de ser errado em algum sentido e 3) temos de não ter desculpa para o ter realizado. (...)
A lógica do louvor é semelhante à lógica da censura. Uma pessoa é louvável por ter realizado um certo acto somente se a) realizou de facto o acto, b) foi bom que o tenha realizado e não estão presentes condições análogas às desculpas (...) [condições que nos tiram ou atenuam a responsabilidade pelo acto cometido].
Deste modo, a concepção de senso comum de responsabilidade diz-nos que as pessoas são responsáveis pelo que fizeram se não estão presentes condições de desculpa (...). E esta concepção de responsabilidade, (...) é inteiramente compatível com a possibilidade de o comportamento estar causalmente determinado. (...) A ideia essencial é que o facto de o comportamento das pessoas estar causalmente determinado não implica que elas não sejam responsáveis pelo que fazem. (...)"
James Rachels, Problemas da Filosofia, Tradução de Pedro Galvão, Gradiva (2009), págs. 195-203, (texto adaptado)
Para saber mais: consultar textos de apoio, em arte de pensar, capítulo 5, Determinismo e liberdade na acção humana.

2 comentários:

REOCUPAR disse...

excelente blog

Graça Silva disse...

Muito Obrigada em nome de toda a equipa.
Votos de muito sucesso para a REOCUPAR.
Cumprimentos