23.8.10

Ah! Isso é relativo…

Escher, Três Mundos, 1955
Antigamente pensava-se que o Sol girava à volta da Terra, hoje sabemos que é a Terra que gira à volta do Sol. Assim, muitas pessoas pensam que era verdade para os nossos antepassados que o Sol girava à volta da Terra e hoje é verdade para nós que a Terra se desloca à volta do Sol. Logo, a verdade é relativa. Mas isto é estranho porque também sabemos que algo não é verdadeiro apenas porque pensamos que é verdadeiro, mesmo os cientistas descobrem muitas vezes que estavam enganados. Sabemos que podemos enganar-nos e enganamo-nos muitas vezes e por muitas razões.
Pensamos outras vezes que, em relação a valores, porque estão intimamente ligados às culturas, é impossível ou muito improvável haver verdade independente da perspectiva de cada indivíduo ou cultura. Entenda-se verdade no sentido mais geral de adequação do nosso pensamento/linguagem à realidade. A diversidade cultural e o respeito que temos pela tolerância, ajuda a perpetuar esta confusão. A frase tantas vezes repetida ah! Isso é relativo, ou isso é muito relativo… mostram que há uma ideia comum muito generalizada de que a verdade (toda a verdade) é relativa. Será assim? Haverá verdades relativas? E serão todas as verdades relativas?
O que significa relativo? E já agora, relativo a quê? Usamos o conceito para nos referirmos à realidade e ao modo como nos relacionamos com ela ao procurarmos conhecê-la. Admitamos que a realidade é constituída por factos e que entendemos facto no seu significado geral de algo que existe, que acontece e pode ser experienciado. Será que os factos que constituem a realidade existiriam mesmo que nós não existíssemos? Tudo leva a crer que sim. Foi isso que aconteceu durante milhões de anos. Mesmo que o homem não existisse para os interpretar/conhecer, continuariam a existir factos. Na ausência de seres humanos, o que não existiria obviamente era conhecimento humano. Continuaria a existir vida e tudo o resto.
Nem mesmo a nossa experiência individual depende inteiramente de nós, é influenciada pelas propriedades das coisas e do ambiente que nos estimulam. Perceber algo como azul, depende do nosso aparelho perceptivo mas também da luz, do modo como o objecto reflecte a luz, das condições ambientais… que existiriam mesmo que o sujeito não existisse.
Mas o que significa afirmar… é tudo relativo? Implica uma posição sobre o modo como conhecemos a realidade de modo geral que designamos como relativista. Esta defende que as normas, valores morais, estéticos e mesmo cognitivos (conhecimento), variam de acordo com o sujeito, a sociedade/cultura, o contexto histórico ou os nossos sistemas conceptuais. Entenda-se por sistema conceptual, o conjunto organizado de símbolos e instrumentos do pensamento que permitem conhecer e comunicar. São exemplos, a matemática, a lógica formal e outras linguagens que vão sendo aperfeiçoadas pelo homem. Isto parece implicar que os factos dependem da perspectiva. No caso da moral e da ética, é ainda mais complicado dada a diversidade de normas e valores morais em cada cultura ao longo do tempo. Mas também reconhecemos que deveria haver acordo sobre alguns juízos morais, que a sua verdade deveria ser independente de qualquer perspectiva pessoal ou cultural. A escravatura ou qualquer forma de sofrimento gratuito são exemplos do que estamos a falar.
À posição relativista opõem-se outras posições:
1. A verdade é intemporal, imutável e absoluta.
2. A verdade é independente da perspectiva sob a qual é avaliada, é objectiva.
3. É possível haver acordo sobre a verdade e por isso esta é universal.

Se admitirmos que é verdade que “toda a verdade é relativa”, então temos de excluir qualquer uma destas hipóteses dado que qualquer delas seria um contra-exemplo. Será que, da existência de “algumas verdades relativas” se poderá inferir que todas o são?
A existência de verdades relativas é óbvia, é fácil encontrar exemplos deste tipo de verdade. Os gostos musicais, literários, gastronómicos dependem do sentido de gosto pessoal e cultural. O sentido estético está ligado ao padrão de gosto e, as normas sociais, são tão diferentes de cultura para cultura que, um gesto que significa um cumprimento numa cultura pode significar um insulto noutra. Muitas verdades variam em contexto. Certas expressões que usamos como “não tenho nada para fazer”, “toda a gente estava na festa” dependem do contexto em que são ditas; o movimento e a simultaneidade na física são relativos a um ponto de referência. Outras propriedades como a cor, já referida, dependem do contexto. A forma como contamos o tempo depende do calendário usado, do fuso horário…; estes exemplos mostram que é verdade que “algumas verdades são relativas”.
Será que a existência de verdades relativas exclui a possibilidade da verdade ser objectiva, universal e mesmo absoluta? A afirmação “tudo é relativo” será plausível?
(Continua)

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