23.8.10

Tudo é relativo?

" A Natureza surpreende-nos."
(continuação)
Se toda a verdade fosse relativa, então o desacordo (tão frequente), ficaria reduzido ao monólogo, cada um falaria para seu lado. A argumentação tão importante na construção do conhecimento em geral, na ausência de critérios objectivos e imparciais, seria impossível.
O diálogo implica o respeito pelo interlocutor, reconhecê-lo como igual na diferença, valorizar o seu ponto de vista, o contrário implica a indiferença, a desqualificação do outro que originam a arrogância intelectual e cultural. Discutir o quê e persuadir para quê se todos temos razão? Ou se só o nosso ponto de vista conta?
Se ao argumentarmos, esclarecermos as condições que tornam uma frase relativa, podemos chegar a acordo sobre a verdade/falsidade de uma afirmação. Se explicitarmos por exemplo, que “O David é alto” em comparação com os restantes alunos da turma, que os acontecimentos “A” e “B” são simultâneos em relação ao ponto de referência “C”, então é possível saber que, estas proposições relativas são objectiva, universal e absolutamente verdadeiras ou falsas. Basta que, nos entendamos quanto à sua explicitação e significado. Daí a importância da clarificação da linguagem (conceitos, definições, proposições e argumentos) e do pensamento crítico de modo geral.
Haverá problemas em que a resposta será mais consensual, por exemplo, os problemas científicos, até porque os cientistas dispõem de outros métodos de prova, e problemas cujo consenso é mais difícil, por exemplo os problemas que implicam valores e, problemas filosóficos de modo geral. Mas a dificuldade de consenso não prova a sua impossibilidade.
Do facto de algumas verdades dependerem da nossa perspectiva não se segue que não possa haver verdade objectiva e universal mesmo em matéria moral. Não devemos confundir a nossa perspectiva com os factos em si. O nosso conhecimento pode ser parcial mas isso não exclui que, aquilo que sabemos, seja verdadeiro, objectiva, universal e absolutamente; ou que algo possa ser verdadeiro mesmo que não o saibamos. Pode acontecer que, ainda não tenhamos evoluído o suficiente ou não disponhamos dos meios e recursos que nos permitiriam conhecê-lo. Mas não nos autoriza a afirmar simplesmente que essas verdades são relativas.
Pensávamos que sabíamos que o Sol se movia à volta da Terra, mas desenvolvemos meios que nos permitiram saber que estávamos enganados. Mesmo em relação aos valores, embora saibamos que alguns dependem da nossa perspectiva, daí não se segue que não deve ou não possa haver verdade moral objectiva e universal. Mesmo em matéria moral, o consenso é possível. Isto acontece porque a humanidade comum é mais importante do que as diferenças aparentes. Dialogando, podemos identificar de que forma algo é relativo e em relação a quê é relativo e construir consensos que serão objectivos e universais ainda que possam não ser absolutos.
Não é plausível que tudo seja relativo, mesmo que não estejamos de acordo quanto a isso, a existência do actual desacordo não prova a impossibilidade (pelo menos ideal) do acordo. Simplesmente mostra que hoje, ainda não é possível, que talvez seja uma tarefa difícil, talvez sempre imperfeita e inacabada, aliás como qualquer empreendimento humano.

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