26.2.10

Números que dão que pensar...

"Ajuda-nos a ajudar" é o slogan do projecto "Feira Solidária" de um grupo de alunos da turma D do décimo segundo ano da nossa escola. Este projecto que foi hoje apresentado à comunidade, enquadra-se no Ano Europeu do Combate à Pobreza e vai dinamizar várias actividades no Externato Cooperativo da Benedita entre os dias 19 e 26 de Março. Fique atento, Ser solidário é um imperativo ético!

Vídeo apresentado durante a conferência de apresentação do projecto, retirado daqui.

A Ética é uma questão de emoções, de razão, ou ambas?

O Emotivismo é uma forma de subjectivismo moral que defende a ideia de que os nossos juízos morais exprimem apenas emoções e sentimentos não tendo por isso, valor de verdade. As nossas preferências valorativas não exprimem verdades ou falsidades são apenas exclamações. Foi defendida por filósofos como Charles Stevenson ou Bertrand Russel.
O livro "A Escolha de Sofia" foi escrito por William Styron, publicado em 1979 e editado entre nós pela Europa-América. Foi adaptado ao cinema em 1982 com Meryl Streep no principal papel, desempenho que lhe valeu o óscar para a melhor actriz. A acção passa-se em 1947 e relata o drama de uma mãe - Sofia Zawistowska - que vive atormentada pela "escolha" que tivera de fazer no campo de concentração de Auschwitz, enquanto prisioneira dos nazis. Um oficial nazi colocara-a perante o dilema de escolher o filho que seria salvo das câmaras de gás, condenando o outro a uma morte certa...
... Se ela recusasse escolher, ambos os filhos seriam mortos, se escolhesse, poderia salvar um dos dois. Acaba por salvar o filho mais forte que tinha melhor probabilidade de sobreviver, "condenando" assim a sua filha que era mais frágil. Sofia não ultrapassa a tragédia e acaba por suicidar-se mais tarde.
Esta história faz-nos reflectir sobre o papel das emoções e da razão em situações-limite (situações extremas como a que acabamos de descrever) em que somos obrigados a escolher e, qualquer que seja a opção, será sempre devastadora.

Será que os nossos juízos morais exprimem apenas emoções?
Não haverá juízos morais que podemos fazer sem exprimir qualquer emoção?
A "A escolha de Sofia" foi apenas baseada nas emoções?
Imagem do filme A Escolha de Sofia, Google Imagens

22.2.10

O que é um argumento moral? Como se avalia?

Usamos frequentemente juízos morais em diferentes situações do dia-a-dia, quando aprovamos ou não a conduta de um amigo, o comportamento de um político ou mesmo de um personagem de ficção. Na maioria dos casos, os juízos morais aplicam normas ou princípios morais a situações específicas. Para justificarmos racionalmente os nossos juízos, argumentamos, mas os argumentos morais têm características específicas, consideremos o seguinte exemplo:
1. Provocar sofrimento desnecessário, é moralmente errado.
2. Praticar a excisão é provocar sofrimento desnecessário.
3. Logo, a prática da excisão é moralmente errada.
A primeira premissa é um princípio moral específico, que é usado como critério normativo no argumento. A segunda premissa é constituída por uma proposição factual (juízo de facto) que pode ser confirmada ou refutada pela experiência, pelo conhecimento científico. A conclusão é um juízo moral que é inferido do encadeamento das premissas.
A discussão centra-se muitas vezes na proposição factual, na sua plausibilidade, mas pode haver também desacordo quanto ao princípio moral específico da premissa (é o caso do princípio como «a eutanásia é moralmente errada») e quanto aos conceitos utilizados. Por que razão tem de ser assim?
Imagine que ao argumento exposto faltava um princípio normativo (princípio moral específico), e que ficaria assim:
1. Muitos seres humanos têm sofrido desnecessariamente.
2. A prática da excisão provoca sofrimento desnecessário.
3. Logo, a prática da excisão é errada.
As premissas deste argumento descrevem factos (são juízos de facto) e a conclusão tem carácter normativo (diz-nos, não que algo é ou acontece, mas que é errado que algo - a prática de excisão - aconteça ou seja feita. As premissas não justificam a conclusão porque de premissas que descrevem coisas ou acontecimentos (descritivas), não é legítimo derivar uma conclusão de carácter moral (normativo).
A primeira objecção a este argumento seria esta: que algo aconteça não implica que deva acontecer. A segunda objecção é que a conclusão «a prática da excisão é errada» só seria logicamente aceitável se houvesse uma premissa normativa, o que não acontece.
Uma coisa é o que fazemos, outra o que devemos fazer. A uma proposição normativa deve contrapor-se - argumentando - outra proposição também normativa.
Fonte: Luís Rodrigues, Filosofia 10.º ano, volume 1, Plátano Editora

21.2.10

O valor de uma acção depende do número de pessoas que a pratica? (Conclusão)

" (…) É frequente associar "Toda a gente faz o mesmo" à ideia de que é impossível mudar o que quer que seja. A forma mais comum que este argumento assume é a seguinte: "Sempre foi, é e será assim!" O que se pretende dizer com isto, naturalmente, é que como algo sempre ocorreu de dada maneira no passado continuará a ocorrer dessa maneira daqui em diante, façam as pessoas o que fizerem. Este argumento indutivo deve ser persuasivo, uma vez que é tão frequentemente evocado. No entanto, a sua conclusão é falsa.
Se "Sempre foi, é e será assim!" fosse verdadeiro, o Boavista nunca teria ganho o campeonato. Este é um exemplo simples que mostra inequivocamente a falsidade da conclusão do "argumento imobilista". Ele mostra claramente que pelo facto de algo ter sido sempre de determinada maneira no passado, não se segue que continuará a ser no futuro. (…)
Há, no entanto, uma formulação desta ideia que requer mais atenção. Trata-se de quando se afirma, ou porque as coisas sempre serão como foram ou porque a tarefa é titânica, que o efeito da nossa acção individual é tão insignificante que não merece a pena fazer seja o que for. Este argumento tem constituído injustificadamente um dos maiores apelos à imobilidade. Contudo, muitas mudanças resultaram de iniciativas individuais ou de um pequeno número de pessoas, que ganharam aceitação geral. (…) Historicamente, o exemplo mais notável e mais importante é o de Jesus Cristo. Mas Cristo não é o único exemplo. A galeria é extensa: Sócrates, Buda, Alexandre, o Grande, Colombo, Infante D. Henrique, Copérnico, Descartes, Newton, Napoleão, Hitler, Darwin, Marx, os Wright, Einstein, Peter Singer e muitos mais. Note-se que muitos, talvez até a maior parte, eram simples indivíduos que não exerceram cargos de poder. (…)
Ao contrário do que o imobilista julga, a análise que fizemos do seu argumento revela que, mesmo em domínios em que as mudanças são lentas, elas têm existido. A maior parte dessas mudanças têm sido no sentido de tornar as sociedades humanas um pouco melhores. Infelizmente, essas conquistas não são irreversíveis e as mudanças também podem ser em sentido inverso, como o mostram a forma como as mulheres foram tratadas no Afeganistão durante o governo dos talibã ou as intenções recentes de reintroduzir a tortura como instrumento policial de investigação nos Estados Unidos.
Outra coisa que a análise parece deixar clara é que, para que a mudança exista, é preciso que nos esforcemos e empenhemos todos. Só com o nosso esforço contínuo e a luta por um pouco mais de justiça, podemos construir um mundo um pouco mais justo. Para esse fim, todas as vozes são precisas e a nossa pequena voz, ao contrário do que o imobilista pensa, é essencial. Ela é como uma gota que, sozinha é insignificante, mas que com as outras forma um oceano. E é preciso um oceano para tornar, progressivamente, o mundo um pouco melhor. "
Álvaro Nunes, "Toda a gente faz o mesmo", Parte II,
(texto adaptado)
Imagem: Google imagens

O valor de uma acção depende do número de pessoas que a pratica?

" (...) Tal como o facto de toda a gente fazer o mesmo não torna uma acção correcta, também o facto de ninguém, ou quase, praticar uma acção a torna incorrecta. Suponhamos que na comunidade esquimó onde toda a gente tem por tradição colocar os idosos na rua durante as noites de Inverno, alguém decide confortá-los, acarinhá-los e ajudá-los a passar o melhor possível os seus últimos dias de vida, à semelhança do que se faz na nossa sociedade. O facto de esta acção ser apenas praticada por um membro da comunidade torna-a errada? A resposta, claro, é não. Uma forma de conduta rara não é necessariamente uma forma de conduta errada. Muitas das práticas hoje comuns na sociedade ocidental começaram por ser defendidas e praticadas por um número muito restrito dos seus membros e só com o tempo ganharam aceitação geral. A conclusão a tirar é óbvia: a popularidade (ou a sua ausência) não é suficiente para decidir se uma acção é ou não correcta. A acção ou prática pode ser boa ou má, correcta ou incorrecta, mas não certamente por toda a gente proceder ― ou não ― dessa maneira. (…)"
Ler mais aqui.
Álvaro Nunes, "Toda a gente faz o mesmo", Parte II
(Texto adaptado)
Imagem: Google Imagens

20.2.10

É correcto fazer o que "toda a gente faz"?

"Antigamente os esquimós colocavam os seus anciãos na rua durante a noite e no Inverno quando estavam às portas da morte. Se um de nós, ao observar esta prática, perguntasse "Acha isto correcto?" e o esquimó respondesse "Toda a gente faz o mesmo", consideraríamos essa resposta satisfatória? Talvez a primeira coisa que sentíssemos fosse uma certa estranheza derivada de nos parecer que a resposta não respondia à pergunta. A pergunta não era acerca do número de pessoas que pratica a acção, mas da sua correcção. A resposta é, portanto, irrelevante para a questão.
Podemos explicar esta irrelevância com o facto de que o que foi pedido ao esquimó foi uma resposta de carácter normativo e não descritivo. Quando dizemos que "toda a gente faz o mesmo" estamos a descrever uma resposta comportamental a uma dada situação. Mas a resposta não devia descrever um estado de coisas (como as pessoas se comportam na situação X), mas o que devem fazer (como devem comportar-se na situação X). O facto de estarmos perante uma acção que não se enquadra nos padrões de comportamento da nossa sociedade, tornou evidente a irrelevância da resposta.
(...) "Toda a gente faz o mesmo" não está apenas a descrever um comportamento comum, está também a justificar esse comportamento com a norma moral de que é correcto fazer o que toda a gente faz. No entanto continuamos a sentir que há algo de profundamente errado com esta conduta. Porquê? (...)"
Continuar a ler, aqui
Álvaro Nunes, "Toda a gente faz o mesmo", Parte I, http://www.filedu.com/,
(texto adaptado)
Imagem: Google imagens

19.2.10

Os juízos morais são relativos?

Waris Dire é uma modelo somali que ficou conhecida por ser a primeira figura pública a admitir ter sido excisada e a denunciar esta prática cultural que continua, hoje, a mutilar e a matar milhares de raparigas. O seu livro "Flor do Deserto" é a obra mais conhecida sobre o tema. Em 2002, abandonou a passerelle, dedicando-se à fundação que criou para combater esta prática: a http://www.waris-dirie-foundation.com/en/
"A minha excisão fizera-me sofrer bastante, e no entanto tive sorte, as coisas podiam ter sido bem piores, como sucedia frequentemente com outras raparigas. (...)
Pouco me lembro da minha irmã Haleno. Eu devia ter três anos quando subitamente ela desapareceu; não compreendi o que lhe aconteceu. Mais tarde soube que a cigana a tinha excisado quando 'o momento especial' chegara, e Haleno sangrara até morrer. (...)
(...) Quando nos deslocávamos através da Somália, encontrávamos várias outras famílias e eu costumava brincar com as suas filhas. Mais tarde, quando voltávamos a encontrar-nos, algumas dessas raparigas já não existiam."

Waris Dirie, Flor do Deserto, Edições Asa, pág. 47 (texto adaptado)
O relativismo moral cultural é a tese segundo a qual o valor de verdade dos juízos morais é sempre relativo ao que, em cada sociedade, a maioria acredita ser verdadeiro ou falso. A existência de diferentes concepções sobre o que é certo ou errado implica que não há respostas objectivamente verdadeiras ou falsas às questões morais. A verdade moral, depende daquilo que numa determinada sociedade se considera bom ou mau. O argumento é o seguinte:
1. Em culturas diferentes as pessoas têm convicções morais diferentes.
2. Logo, as verdades morais são relativas à cultura.
Podemos aceitar o relativismo moral cultural, e condenar a prática da excisão?

18.2.10

"...Ciência sem ética pode ser uma tragédia"

"O investigador Manuel Sobrinho Simões, director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) falava a propósito da conferência que irá proferir hoje, no Porto, sobre «Novas respostas da ciência». (...) Em seu entender, "a resposta científica pode ser uma tragédia. Se não introduzirmos controlos éticos, por exemplo, vamos poder fazer melhoria genética das pessoas e isto, penso eu, não é desejável em termos da sociedade".
"Não me refiro a curar doenças e ao aconselhamento genético, mas sim aos pais que querem que os filhos sejam mais bonitos, mais inteligentes e tenham olhos azuis. É um desafio que se põe hoje à ciência e que tem de ser resolvido", frisou.
E questiona: "Será que este desafio interessa à sociedade? Será que a sociedade está disposta a tolerar a melhoria genética?" Sobrinho Simões considera que “o que tem graça, nas respostas da ciência, é que são muito inteligentes e eficientes, mas têm de ser enquadradas culturalmente e politicamente, senão podem contribuir para acelerar os desafios horrorosos com que a sociedade mundial se defronta hoje". Ler toda a notícia aqui.
In: Jornal CiênciaHoje

17.2.10

O que é a Ética?

"O que é a ética para quê estudá-la"? perguntam muitas vezes os nossos alunos...
A ética constitui a reflexão sobre o que é uma acção moralmente correcta, sobre o que devemos fazer, sobre os princípios das nossas acções e as consequências que delas resultam.
Uma reflexão sobre o tipo de pessoa que queremos ser e como devemos viver para consegui-lo, em suma, procura a resposta para a questão, o que é a vida boa?
A ética normativa responde à questão, o que é uma acção moralmente valiosa? O seu objectivo é descobrir os princípios, os critérios que nos permitem distinguir as acções moralmente correctas daquelas que o não são.
A metaética responde ao problema da justificação dos juízos morais procurando saber se em ética há juízos verdadeiros ou falsos. Se sim, saber se essa verdade é relativa (gostos, sentimentos, padrões morais aprovados em cada cultura) ou se há verdades morais objectivas no sentido em que são aceitáveis por todos.
A ética prática ou aplicada parte dos princípios e critérios gerais aplicando-os a problemas concretos como a clonagem, a guerra, a eutanásia,...
As teorias éticas são as respostas encontradas como resultado da reflexão cuidada e sistemática sobre os problemas éticos. Ajudam-nos a perceber como devemos agir, quais os nossos deveres fundamentais, como avaliar os nossos juízos morais, como estabelecer prioridades ao sermos confrontados com conflitos e dilemas de natureza moral.
Têm subjacentes princípios que usamos no dia-a-dia mesmo sem nos apercebermos como por exemplo, "de boas intenções está o inferno cheio", "as boas intenções fazem as boas acções"... permitem-nos avaliar, fundamentar e decidir nas várias situações da vida.
Para saber mais:

Fernando Savater, Ética para um jovem, Edição Dom Quixote
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Edição Gradiva - Colecção Filosofia Aberta




15.2.10

"Ciência e filosofia através da música"

"O projecto "Symphony of Science" foi idealizado por John Boswell (músico) como veículo para fazer chegar o conhecimento a uma audiência habitualmente arredada da área científica. Há cerca de dois meses começou a colocar 'clips' no YouTube. Já ultrapassou o milhão de visitantes."
In: Jornal Público online

O problema dos critérios valorativos - será a ética relativa?

Paul Gaugin, Donde vimos? O que somos? Para onde vamos? (1897)
"Sem Deus tudo seria permitido"
Fiódor Dostoiévski

"(...) A ideia de que a ética é apenas uma questão de convenções sociais atraiu sempre as pessoas educadas. Culturas diferentes têm códigos morais diferentes, diz-se, e pensar que há um padrão universal que se aplica em todas as épocas e lugares não passa de uma ingenuidade. É fácil encontrar exemplos. Nos países islâmicos, os homens podem ter mais do que uma mulher. Na Europa medieval, pensava-se que emprestar dinheiro a juros era pecado. Os povos nativos do Norte da Gronelândia por vezes abandonavam as pessoas velhas, deixando-as morrer de frio. Ao pensar em exemplos como estes, os antropólogos concordam há muito com a afirmação de Heródoto: «o costume é o rei de todos nós.»
Hoje a ideia de que a moralidade é um produto social é atraente por uma razão adicional. O multiculturalismo (...). Temos de evitar a suposição arrogante de que os nossos costumes são «certos» e de que os costumes dos outros povos são inferiores. Isto significa, em parte, que devemos abster-nos de fazer juízos morais sobre as outras culturas. Devemos adoptar uma política de vive e deixa viver.
Superficialmente, esta atitude parece esclarecida. de facto, a tolerância é uma virtude importante e é óbvio que muitas práticas culturais não passam de costumes sociais - (...)"
James Rachels, Problemas da Filosofia, Tradução de Pedro Galvão, Gradiva (2009), pp 237-238, (texto adaptado)

Vivemos num mundo multicultural e a tolerância é um valor que nos empenhamos em preservar. Diferentes culturas e diferentes pessoas discordam frequentemente acerca do que é bom ou mau, correcto ou incorrecto. O acordo sobre questões morais é difícil e as disputas por vezes terminam com frases como: "em ética cada um tem a sua opinião!" ou "é tudo muito relativo!"...
Será assim? Há ou não verdade e falsidade em assuntos morais? Se não houver, fará sentido dizer que uma crença moral é correcta ou incorrecta? Se houver verdade em questões morais, esta é objectiva e universal?... Ou é relativa? Será possível estabelecermos critérios objectivos e imparciais de moralidade, independentes do indivíduo, da sociedade e das suas crenças religiosas?

14.2.10

O que é a realidade?

Brian Green, físico e brilhante divulgador de ciência, explica-nos uma das mais interessantes teorias científicas, a teoria das supercordas, "A ideia de que minúsculos filamentos de energia a vibrar em 11 dimensões criam todas as partículas e forças no nosso universo."


Tradução de Sérgio Lopes

6.2.10

O problema do compatibilismo

René Magritte, la promesse
"Na opinião da maior parte dos filósofos de hoje, o Compatibilismo tem as melhores hipóteses de salvar o livre-arbítrio e de proteger a noção de responsabilidade moral do ataque do determinismo. Contudo, o compatibilismo tem um problema grave. O compatibilismo afirma que somos livres se as acções decorrem do nosso carácter e dos nossos desejos não manipulados. O problema é que, em última análise, o nosso carácter e os nossos desejos são causados por forças que não controlamos. Este facto é suficiente para colocar em dúvida a nossa «liberdade». (...)
Os compatibilistas concordam que o carácter e os desejos que temos agora não dependem de nós. Esta concessão parece constituir uma derrota. Pelo menos é suficiente para que as pessoas reflexivas se sintam desconfortáveis, mesmo que a análise compatibilista nos permita continuar a dizer que somos livres. (...) As questões mais preocupantes estão relacionadas com a ética. Se não temos livre-arbítrio, seremos ainda agentes morais responsáveis? A ética não perderá a sua razão de ser? (...)
Para começar, podemos pôr de parte a ideia de que somos «simples robôs» se não temos livre-arbítrio. (...) Temos pensamentos, intenções e emoções. Sentimos felicidade e infelicidade. Amamos os nossos filhos e, se tivermos sorte, eles também nos amam. Dá-nos prazer ir ao cinema, jogar futebol e ouvir Mozart. Os robôs não são assim. A nossa capacidade de ter estas experiências não depende do livre-arbítrio. Mesmo que o nosso comportamento esteja determinado, tudo isto continuará a ser verdade.
Também somos diferentes dos robôs noutro aspecto: temos frequentemente razões para o que fazemos, e isto não deixará de ser assim se não tivermos livre-arbítrio. (...) Obviamente, o sentido em que os nossos objectivos são «nossos» terá sofrido uma mudança subtil. Não poderemos já concebê-los como algo que escolhemos livremente. Vê-los-emos antes como objectivos que resultam da nossa constituição, do que acontece no nosso cérebro e da influência do ambiente. Mas o que interessará isso? Os nossos objectivos continuarão a ser os nossos objectivos (...).
Poderemos deliberar acerca do que fazer se não acreditarmos que temos livre-arbítrio? Alguns filósofos defenderam que, se acreditarmos que não somos livres, não faz sentido «deliberar». Afinal, deliberar significa tentar decidir; o esforço de decidir parece pressupor que podemos fazer coisas diferentes. Este raciocínio parece plausível. Mas o que fazemos realmente quando deliberamos? Pensamos sobretudo naquilo que queremos e no modo como diversas acções conduziriam a resultados diferentes. Pensamos nas crianças na Nigéria, no que é estar doente e não dispor de ajuda, no modo como o nosso dinheiro poderia satisfazer as suas necessidades e assim por diante. (...)
Logo, a negação do livre-arbítrio não implica o fim da ética. (...)
Surpreendentemente, (...) a noção de senso comum de responsabilidade revela-se perfeitamente compatível como Determinismo. Ser responsável, no sentido comum, significa poder prestar contas pelo que se fez - (...).
Do ponto de vista do senso comum, parece que há três condições: 1) temos de ter praticado o acto em questão, 2) o acto tem de ser errado em algum sentido e 3) temos de não ter desculpa para o ter realizado. (...)
A lógica do louvor é semelhante à lógica da censura. Uma pessoa é louvável por ter realizado um certo acto somente se a) realizou de facto o acto, b) foi bom que o tenha realizado e não estão presentes condições análogas às desculpas (...) [condições que nos tiram ou atenuam a responsabilidade pelo acto cometido].
Deste modo, a concepção de senso comum de responsabilidade diz-nos que as pessoas são responsáveis pelo que fizeram se não estão presentes condições de desculpa (...). E esta concepção de responsabilidade, (...) é inteiramente compatível com a possibilidade de o comportamento estar causalmente determinado. (...) A ideia essencial é que o facto de o comportamento das pessoas estar causalmente determinado não implica que elas não sejam responsáveis pelo que fazem. (...)"
James Rachels, Problemas da Filosofia, Tradução de Pedro Galvão, Gradiva (2009), págs. 195-203, (texto adaptado)
Para saber mais: consultar textos de apoio, em arte de pensar, capítulo 5, Determinismo e liberdade na acção humana.

2.2.10

Existirão factos morais?

Vincent Van Gohg, Céu Estrelado
«Duas coisas me deixam maravilhado, o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim»
I. Kant

"Um juízo moral - ou qualquer outro juízo de valor - tem de ser apoiado em boas razões. Se alguém disser que uma determinada acção seria errada, pode-se perguntar por que razão seria errada e, se não houver uma resposta satisfatória, pode-se rejeitar esse conselho por ser infundado. Neste aspecto, os juízos morais são diferentes de meras expressões de preferência pessoal. Se alguém diz «eu gosto de café», não necessita de ter uma razão para isso; poderá estar a declarar o seu gosto pessoal e nada mais. Mas os juízos morais requerem o apoio de razões, sendo, na ausência dessa razões, meramente arbitrários.
Qualquer teoria adequada da natureza da avaliação moral deveria, portanto, ser capaz de dar conta das relações entre juízos morais e as razões que os sustentam. (...)
Hume sublinhava que se examinarmos as acções malévolas - «homicídio voluntário, por exemplo» - não encontramos «matéria de facto» que corresponda à maldade. Excluindo as nossas atitudes, o universo não contém tais factos. Esta tomada de consciência tem frequentemente sido entendida como motivo de desespero, porque as pessoas presumem que isto deve significar que os valores não têm estatuto «objectivo». Mas porque razão deveria a observação de Hume surpreender-nos? Os valores não são o tipo de coisas que possam existir como existem as estrelas e os planetas. (Concebido desta maneira, qual seria o aspecto de um «valor»?) Um erro fundamental no qual incorrem muitas pessoas quando pensam sobre este assunto é partir do princípio de que há apenas duas possibilidades:
1. Há factos morais da mesma maneira que há factos sobre estrelas e planetas; ou
2. Os nossos valores não são mais que a expressão dos nossos sentimentos subjectivos.
Isto é um erro porque descura uma terceira possibilidade crucial. As pessoas não têm apenas sentimentos, têm também razão, e isso faz uma grande diferença. Pois pode ser que
3. As verdades morais [sejam] são verdades da razão; isto é um juízo moral é verdadeiro se for sustentado por razões melhores que os juízos alternativos. (...)
Tais verdades são objectivas no sentido em que são verdadeiras independentemente do que possamos querer ou pensar. Não podemos tornar algo bom ou mau pelo simples desejo de que seja assim, porque não podemos simplesmente querer que o peso da razão esteja a favor ou contra algo. Isto explica igualmente a nossa falibilidade: podemos enganar-nos sobre o que é bom ou mau porque podemos estar enganados sobre o que a razão recomenda. A razão diz o que diz, alheia às nossas opiniões e desejos."
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução de F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva (2009), pág. 65- 67 (texto adaptado)

31.1.10

O determinismo moderado

Quem defende o determinismo moderado ou compatibilismo, não aceita que a verdade da crença no determinismo implique necessariamente a falsidade da crença no livre-arbítrio. Pensa que o problema está mal formulado. Assim, defende que as proposições:
1. Há livre-arbítrio.
2. Há determinismo.
São ambas verdadeiras. Rejeita a ideia radical de que o determinismo nega a liberdade e a responsabilidade. Rejeita ainda o indeterminismo, ou seja a ideia de que as acções livres são acções não causadas. As acções livres, como qualquer outra acção, têm uma causa. As nossas acções podem ser simultaneamente causadas e livres. Como é isto possível?
Se de repente alguém começasse a agir de modo extravagante e não soubesse explicar as razões de tal acto, o mais provável é que o considerassemos louco e não livre. Um comportamento sem explicação não é livre e se o comportamento é livre tem uma explicação, significa que tem uma causa. É causado.
O mesmo acontece com o conceito de liberdade. Ser livre não é fazer o que nos apetece, isso seria arbitrariedade, é agir dentro de certos limites. Não podemos ser tudo o que nos apetece porque a nossa constituição física e psicológica simplesmente não o permite. Além disso a nossa vida decorre num certo espaço e tempo, somos condicionados pela cultura a que pertencemos, somos seres históricos.
Assim a nossa acção é causada pelos nossos desejos e crenças, pelo nosso carácter e personalidade e dentro das possibilidades que a nossa circunstância permite. O que distingue uma acção livre de outra não livre é a natureza das causas que estão na sua origem. Se a acção tiver a sua origem no agente, nos seus desejos e crenças imediatos e naturalmente formados, então é livre. Se foi resultado de coação externa ao agente ou resultar de uma compulsão, não é livre.
«Os deterministas moderados consideram assim a ausência de compulsão e não a ausência de causa, como critério de liberdade de escolha. (...) Uma vontade livre é uma vontade não compelida.»
Esta perspectiva parece implicar que:
- Todos os actos são causados e limitados (condicionados) mas só alguns são compelidos. Isto basta, para nos considerarmos livres e responsáveis.
- Um agente pratica livremente uma acção, se e só se, podia ter agido de forma diferente, caso o tivesse escolhido.
- A liberdade não é um dado, tem de ser "arduamente" construída derrubando barreiras. Não somos absolutamente livres, vamo-nos libertando. Cada barreira derrubada consciente e responsavelmente, é um passo em direcção a essa liberdade, ao aperfeiçoamento moral.
Podemos objectar que o conceito compatibilista de liberdade não basta para suportar a atribuição de responsabilidade moral aos agentes. Mas, nesse caso, não seria compatível com o sentido vulgar que atribuímos ao conceito de liberdade.
Será isto plausível? Porquê?
Imagem: Escher, Libertação

A perspectiva libertista sobre a acção

O libertismo é a corrente que defende, de modo mais radical, o livre-arbítrio e a responsabilidade do ser humano. Considera que a vontade nem sempre está causalmente determinada (determinismo) nem é aleatória (indeterminismo). Sugere que o agente tem o poder de interferir no curso normal das coisas pela sua capacidade racional e deliberativa. Admite dois tipos de causalidade, a natural que encontramos nos fenómenos físicos e no ser humano já que pertencemos também ao mundo natural como qualquer outro ser da Natureza e uma categoria especial de causalidade do agente (livre), segundo a qual os agentes iniciam sequências de acontecimentos, sem que esse desencadear seja causalmente determinado. O argumento principal é o seguinte:
Se temos livre-arbítrio, o determinismo radical é falso. Algumas das nossas acções são livres. Logo, o determinismo radical é falso.
A verdade da primeira premissa é óbvia e, para um libertista, a existência de alternativas bem como a sua avaliação, a ponderação, provam a solidez da segunda premissa. Por exemplo, escolhemos entre ir ver um jogo de futebol ou ler um livro. Quando decidimos entre um e outro curso de acção, o que sentimos? Que a nossa acção foi o desfecho de acontecimentos anteriores? Ou sentimos que podíamos ter agido de modo diferente? Acreditar na liberdade é uma experiência básica da vida.
Antes de tomarmos uma decisão avaliamos os prós e contras das eventuais opções que fazemos, avaliamos as alternativas e as consequências daí resultantes. Escolhemos activamente o que fazer. Para os libertistas estas experiências introspectivas e deliberativas mostram que algumas das nossas acções são livremente escolhidas.
Há ainda um terceiro argumento a favor do libertismo, a responsabilidade moral. Louvamos por exemplo as pessoas que rumaram ao Haiti para ajudar as vítimas do terramoto e condenamos aqueles que se aproveitam do infortúnio comum para cometerem crimes, porquê? Faríamos estes juízos se fosse verdade que todas as nossas acções são o resultado de causas que escapam ao nosso controlo e dominam completamente a nossa vontade? Sentimentos como o remorso e o arrependimento continuariam a fazer sentido? E a luta para nos tornarmos moralmente melhores? Para nos tornarmos no tipo de pessoa que queremos ser?
Aceitar o libertismo parece implicar:
- A rejeição da dicotomia: «qualquer acontecimento é, ou o resultado necessário de causas prévias ou algo aleatório que simplesmente acontece e nada mais».
- A alteração do significado e amplitude do conceito de causa, para o libertista não há um só tipo de causas. Uma coisa é falar da causa dos terramotos, da queda dos corpos ou da chuva, outra bem diferente é falar das causas de acções realizadas por nós.
- Não podemos negar seriamente a existência de livre-arbítrio.
Qual dos argumentos lhe parece mais forte? Consegue pensar em objecções ao libertismo? Qual ou quais?
Imagem: Picasso, Mulheres correndo na praia

30.1.10

Um "argumento" contra o determinismo radical

«Quando alguém se esforçar por te negar que nós, seres humanos, somos livres, aconselho-te a que lhe apliques a prova do filósofo romano. Na Antiguidade, um filósofo romano estava a discutir com um amigo que negava a liberdade humana e garantia que, para todos os homens, não há maneira de evitar fazer o que fazem. O filósofo pegou no seu bastão e começou a dar-lhe pauladas com toda a força que tinha, 'já chega, não batas mais!', dizia-lhe o outro. E o filósofo, sem deixar de surrá-lo, continuou a argumentar: 'Não dizes que não sou livre e que quando faço uma coisa não posso evitar fazê-la? Pois então não gastes saliva a pedir-me que pare: sou automático'. Até que o amigo reconheceu que o filósofo podia livremente deixar de bater-lhe, e só então o filósofo deu descanso ao seu bastão. A prova é boa, mas só deves administrá-la em casos extremos e sempre com amigos que não saibam artes marciais...»
Fernando Savater, Ética Para um Jovem, Editorial Presença, pág. 25


Determinismo e indeterminismo na acção

A ciência mostra-nos um mundo em que, para qualquer acontecimento (b) há uma causa (a). Esta é uma relação de dependência e derivação necessária, o efeito não existiria sem a causa. Por exemplo, a queda dos corpos deriva da força da gravidade. Se esta não actuasse, os corpos não cairiam. todos os acontecimentos dependem das suas causas de tal modo que, um acontecimento pode ser simultaneamente efeito e causa de outro efeito, como por exemplo a água a ferver, é efeito do calor e causa da evaporação.
Se todos os acontecimentos estão submetidos às leis naturais de carácter causal, então também a acção humana deve ser entendida à luz de causas necessárias e, se tudo o que fazemos é determinado por uma causa necessária, então tudo o que fazemos é inevitável, não poderíamos ter agido de outro modo. Podemos atribuir o estatuto de causa a uma infância traumatizante, às condições difíceis em que vivemos ou a uma doença mental e assim desculpabilizar as nossas acções. O determinismo radical torna as nossas acções inevitáveis, não poderíamos ter agido de outro modo e põe em causa a responsabilidade moral. Os argumentos podem ser formalizados do seguinte modo:
Primeiro, Se o ser humano está no mundo natural, então obedece às mesmas leis que os restantes fenómenos naturais. A ideia de acção livre é incompatível com o princípio da causalidade natural. Logo, não temos livre-arbítrio (vontade livre).
Segundo, Se a uma causa se segue um efeito, então o passado controla o futuro. Não podemos controlar o passado. Se não controlamos o passado, então também não controlamos o modo como o passado controla o presente ou o futuro. Logo, não podemos controlar nem o presente nem o futuro.
Mas nem todos os fenómenos da Natureza são explicados pelo determinismo radical. Os fenómenos microfísicos (quânticos) não são explicáveis por leis deterministas mas sobre eles actua o acaso, como acontece por exemplo no euromilhões. Dizemos que este tipo de fenómenos são indeterminados no sentido em que, dada uma causa (a) não podemos prever com exactidão um efeito (b).
Para o indeterminista as acções humanas também não são livres porque são o resultado imprevisível do acaso.
Assim como num sistema microfísico não podemos determinar o comportamento das partículas subatómicas porque sobre elas actua o acaso, também não podemos determinar as acções humanas, estas seriam imprevisíveis ou apenas prováveis.
Mas se o acaso actua sobre o ser humano e as suas acções são consequência daquele, então as acções não são livres, mas resultam de causas que actuam aleatoriamente e que o ser humano não consegue identificar nem dominar. Logo não há liberdade.
Ambos os casos implicam que, não há liberdade nem responsabilidade. Será assim?

26.1.10

"Ética a Nicómano"

"Viver Bem", texto introdutório, com tradução de Desidério Murcho sobre a ética de Aristóteles retirada do livro Aristotle, de Cristopher Shields. Pode ser lido na Crítica.
A presente obra tem como fonte primária um dos maiores, livros clássicos sobre o tema, a Ética a Nicómano de Aristóteles. Uma "obra prima" perfeitamente actual.
Nesta introdução, encontramos uma reflexão cuidada e rigorosa sobre questões como o que é o bem final para os humanos? O que é ser feliz? Quais as virtudes do carácter? O que é a amizade?... Uma ajuda preciosa para quem desejar ler o original, mas também para todos os que se interessam pelas questões básicas da vida.

24.1.10

A REALIDADE, poderemos conhecê-la?

"Este pequeno filme da NASA mostra o universo conhecido, tal como o veríamos se empreendêssemos uma viagem aos pontos que foram cartografados até ao presente através da observação astronómica."


Vídeo gentilmente enviado pela colega Soledade.

23.1.10

Cidadania activa?

Viver em democracia atribui-nos muitos direitos, mas também inúmeras responsabilidades. É um sistema político que possibilita a liberdade e a igualdade e foi por isso que se travaram tantas batalhas para a conquistar. Para que a democracia seja realmente possível tem de existir um equilíbrio entre a vida pública e a vida privada dos cidadãos. Esta diz respeito apenas a cada um de nós, enquanto aquela representa o nosso papel na sociedade, é tão ou mais importante que a vida privada, uma vez que interfere com a vida de todos.
É comum que em países ocidentais como o nosso, em que o bem-estar está ao alcance de quase todos, a vida pública passe para segundo plano em relação à vida privada, uma vez que vai sendo assegurada pelos governantes, e apenas quando algo ameaça perturbar esse bem-estar particular é que exercemos o nosso direito a intervir na vida pública. Isto acontece porque temos tendência a acomodar-nos e a pensar que quem está no poder é que tem de assegurar o nosso bem-estar.
Ora sendo assim, a importância do espírito crítico em democracia torna-se quase nula e desnecessária, ao contrário do que deveria ser. É vulgar vermos as pessoas a dizerem mal dos seus governantes, mas no fundo essas mesmas pessoas têm medo das responsabilidades sociais, é sempre mais fácil ficar do outro lado a criticar.
Cada um de nós tem um papel importante a desempenhar. Aristóteles defendia mesmo que a vida pública era superior à privada, cada cidadão para se tornar plenamente homem, tinha o dever de participar na vida pública porque era dessa forma que servia o bem e a virtude; sendo necessário um uso responsável da retórica e da dialéctica enquanto capacidades de persuasão ao serviço do bem comum. A política era uma extensão da ética.
Para Desidério Murcho, há mudanças na forma como entendemos a vida pública e a privada. A forma como aquela é encarada pelos cidadãos está a tornar-se assustadora, uma vez que na generalidade dos casos apenas é vista como um meio para atingir o bem-estar na vida privada. Para ele, só nos lembramos e valorizamos os ideais democráticos quando o bem-estar particular está em causa, o que demonstra o nosso carácter individualista e o economicismo das nossas sociedades.
Os nossos antepassados lutaram e arriscaram a vida para que pudéssemos ser livres, e nós o que fazemos para nos mantermos livres?
Miguel Lameiras
11.º D

21.1.10

Será a beleza um critério de verdade?

"Murray Gell-Mann, prémio Nobel da Física, partilha, com sentido de humor e de modo acessível, o seu conhecimento, colocando questões como: Será que as equações elegantes são provavelmente mais correctas do que as deselegantes?"


Clicar em View subtitles, para ver com tradução em português.

Tradução de Carlos Portela

19.1.10

Sei que não sei?!

Hoje na aula de Filosofia, um aluno fez a seguinte pergunta ao seu professor:

«Quando afirmo que não sei se há vida em Marte, poderei estar a saber alguma coisa? »


Que resposta dariam ao vosso colega?
Imagem: René Magritte, O telescópio.

Se te queres matar, porque não te queres matar?


O suicídio pode ser encarado como um problema filosófico se for formulado das seguintes maneiras:

• Será que a vida humana é digna de ser vivida? (problema de natureza ontológica e metafísica)

• Será eticamente aceitável praticar o suicídio? (problema de natureza ética)

O suicídio enquanto problema ético deve ser reequacionado, com o propósito de se encontrar uma justificação para a reprovação ou aprovação do comportamento de um indivíduo que atenta contra a sua própria vida.
Da tradição filosófica chegou-nos vários argumentos que se tornaram clássicos. Sublinho apenas dois pela influência que tiveram no que respeita a este problema na sua dimensão ética.


Argumento 1 Argumento da não propriedade. Este argumento foi apresentado por Platão (Fédon, 62b), e reelaborado, posteriormente, pelos filósofos de inspiração cristã. Segundo este argumento, que designei de argumento da não propriedade, o suicídio é inaceitável, porque não temos propriedade sobre a nossa própria vida. Assumindo-se que a vida humana é pertença dos deuses, não podemos assenhorearmo-nos de algo que não dos pertence por natureza.
Moore distingue propriedades não naturais (de carácter ético) das propriedades naturais (susceptíveis de serem descritas empiricamente). Com esta distinção, e aplicando-a ao suicídio, a vida humana é uma propriedade não natural, pois não somos senhores da vida, como somos de uma mão ou de um braço. Assim, segundo este argumento, não temos qualquer direito sobre a nossa vida, pelo que não podemos atentar contra ela.


Argumento 2Argumento da humanidade. Este argumento aparece descrito na obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, de Immanuel Kant, deduzido da segunda formulação do Imperativo Categórico:
«Se, para escapar a uma situação penosa, se destrói a si mesmo, serve-se de uma pessoa como de um simples meio para conservar até ao fim da vida uma situação suportável. Mas o homem não é uma coisa; não é portanto objecto que possa ser utilizado simplesmente como um meio, mas pelo contrário deve ser considerado em todas as suas acções como fim em si mesmo. Portanto, não posso dispor do homem na minha pessoa para o mutilar, degradar ou matar.»
Segundo o argumento da humanidade, é eticamente inaceitável a prática do suicídio, na medida em que este é um atentado contra a humanidade. A vida humana deve ser encarada como valor intrínseco (como tendo valor em si mesma) e não instrumental. Para Kant, um acto encontra-se justificado moralmente se for um fim em si mesmo, independemente dos propósitos que se pretendem alcançar com ele. Então, atentar contra a vida com o propósito de encontrar a posteriori alguma tranquilidade, é inaceitável, do ponto de vista moral.


Concordo com o argumento da humanidade em detrimento do argumento da não propriedade. Tentar justificar a inaceitabilidade do suicídio consiste partir dos seguintes pressupostos:


1. Todo o indivíduo que oriente a sua acção com o objectivo de subtrair uma vida humana, age erradamente.
2. O indivíduo que se suicida está a subtrair uma vida humana.
3. Logo, o indivíduo que se suicida está a agir erradamente.


Poder-se-ia defender a inaceitabilidade do suicídio a partir do princípio de que a vida é sagrada, porém, emitir este tipo de juízo de valor não está longe de enfrentar objecções, sobretudo as que se prendem com a dificuldade em definir o que é sagrado e o que determinada substância deve conter para ser considerada sagrada.
Sou igualmente incapaz de considerar que um indivíduo que se suicida manifesta um exemplo de força de carácter e de coragem, como alguns defensores da sua aceitabilidade poderão alegar. A coragem é uma virtude moral, assim, um ser virtuoso, do ponto de vista moral, com carácter, dificilmente aceitará o suicídio nos juízos morais que formula, na medida em que, aliando a sua força moral ao ensejo pela racionalidade, acrescenta que o suicídio não é objecto de ponderação nem de deliberação, e que quem comete tal acto fá-lo movido por interesses demasiado subjectivos, irracionais e infundados. Tome-se o exemplo do filósofo Gilles Deleuze, ter-se-á suicidado por um conceito, uma ideia filosófica, ou pela incapacidade de suportar o sofrimento físico que a doença acarretava? Camus afirma que: "Nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico. (...) Em contrapartida, vejo que muitas pessoas morrem por considerarem que a vida não merece ser vivida."


O problema agudiza-se quando se desdobra noutros, tais como a eutanásia ou o suicídio assistido. Será que ao condenar o suicídio, serei forçado a condenar a eutanásia?
Uma pessoa consciente de si, que se encontra condicionado por uma vida vegetativa, sentindo-se frustrado com a sua situação, apenas se depara com dois cursos alternativos de acção: ou viver o dia de amanhã como o de ontem, ou não esperar pelo dia de amanhã. Por seu turno, o indivíduo que decide suicidar-se, encontra-se perante vários cursos alternativos de acção, de maneira que a sua decisão reflecte uma entre tantas possibilidades de ter agido. Assim, considero menos aceitável o suicídio do que a eutanásia.
É mais fácil reflectir e encontrar, por muito difícil que seja em algumas circunstâncias, uma razão para viver, do que fazê-lo num cenário em que se está condicionado fisicamente, sem esperança de o alterar.

Considerar inaceitável o suicídio pode fazer-nos colidir com uma consequência bem provável. Imagine-se a seguinte situação:

O indivíduo X, um espião israelita no Líbano, foi descoberto pelos seus inimigos. Após ter sido capturado e feito prisioneiro, foi pressionado para revelar segredos sobre a polícia secreta israelita. Munido de apetrechos para a sobrevivência de um espião, durante a noite, tomou a substância que guardava religiosamente no bolso, que o fez sacrificar a vida pela manutenção dos segredos de Estado.


Terá sido o suicídio deste indivíduo moralmente aceitável? Esta pode ser uma consequência da aceitabilidade do suicídio. Ora, parece-me que o indivíduo agiu em conformidade com o princípio de evitar prejuízos a terceiros, sacrificando a sua vida pela sua sociedade. Avaliando os benefícios que este suicídio acarretou, para os israelitas são indiscutíveis, mas não para os libaneses. E para a humanidade, terá sido este suicídio aceitável? Não querendo entrar em pormenores de política internacional, a aceitabilidade deste acto apenas se poderia defender se trouxesse benefícios para a humanidade, sacrificando a sua vida pelos outros, pelo bem universal. Pois, se não pensarmos assim, será que podemos condenar os actos dos terroristas? Provavelmente não.


Imagine-se, agora, outra situação, esta bem real e avaliada pelo olhar de todos, em 11/09/2001. Poderemos aceitar o suicídio dos indivíduos que se encontravam nas Torres Gémeas no momento da colisão dos aviões? Para a avaliação desta situação, os argumentos da não propriedade e da humanidade não se adequam. Numa situação-limite como esta, não podemos condenar o acto, pois não foi ponderado, antes movido por impulsos que o tornam pouco racional, e assim, os seus factores tornam-se indiferentes a uma avaliação moral justa.

John Millais, Ophelia (1890)

Álvaro de Campos, num estilo bem perturbador, adianta:

«Se te queres matar, porque não te queres matar?/Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida, / Se ousasse matar-me, também me mataria.../Ah, se ousares, ousa!»

Estes versos, ainda que preludiem a defesa do suicídio no decurso do poema, denotam a ousadia que é necessário ter para atentar contra a nossa própria vida. E o que é a ousadia, senão o temor proveniente do risco da transgressão, do trespassar o pesado véu das convenções e normas morais, sabendo-se que por detrás do pesado véu há um princípio claro e evidente, embora difícil de destrinçar, que nos impede de praticarmos o suicídio?

16.1.10

O que nos faz dizer que algo é belo?

Fascinante viagem pela História da Arte através do rosto feminino. O vídeo tem por título "Women in Art" e foi realizado por Philip Scott Johnson.

Vídeo gentilmente enviado pela colega Teresa Agostinho

Jornal "Toque de Saída"

Já saiu o número doze. Ver aqui.

11.1.10

Pitágoras e a música

Pitágoras (c. 580-500 a.C.), é considerado um dos primeiros filósofos a par de Tales de Mileto (c. 624-546 a.C.), sendo ambos igualmente os fundadores do que hoje chamamos «ciência» (que eles não distinguiam da filosofia). Consta que foi Pitágoras o primeiro a usar a palavra filósofo. Quando lhe chamaram sábio, respondeu que era mais um filósofo que significa literalmente «o que ama a sabedoria».

O problema do conhecimento

Em filmes como: Matrix, 13.º Andar ou Desafio Total, é explorada a possibilidade de vivermos uma realidade virtual induzida por um super-computador. As pessoas que estão na Matrix, por exemplo, são levadas a pensar que vivem num mundo físico com edifícios, condições atmosféricas e automóveis, mas esse mundo existe apenas na sua mente. (…)
Suponha que alguém sugere que somos essas pessoas (…), que a nossa «vida» não passa de uma ilusão. Isto parece absurdo. Mas como podemos provar que é falso? (…) O nosso conhecimento do mundo que nos rodeia baseia-se nas nossas experiências subjectivas – as sensações visuais, auditivas e tácteis que temos sempre que estamos acordados. Mas por que razão temos essas experiências? Eis duas explicações possíveis:
Primeira explicação. Temos experiências porque estamos a interagir com uma realidade que é mais ou menos correctamente representada no conteúdo dessas experiências. Vemos uma bola vermelha, por exemplo, porque existe uma bola vermelha diante dos nossos olhos. A luz da bola atinge os nossos olhos, iniciando uma série de acontecimentos no nosso sistema nervoso que culmina nos acontecimentos cerebrais que causam a experiência. O resultado de todo o processo é ficarmos com crenças verdadeiras sobre o mundo que nos rodeia. (…) Por vezes podemos ser enganados, mas isso não costuma acontecer.
Segunda explicação. Temos experiências porque somos um cérebro numa cuba. E o nosso cérebro está ligado a um computador que envia sinais que nos levam a ter essas experiências. Parece que vemos uma bola vermelha no espaço que está diante dos nossos olhos, mas essa bola não existe realmente. Esse espaço não existe. Na verdade não temos olhos, todo o processo tem como resultado sermos sistematicamente enganados.
Obviamente, todos acreditamos que a primeira explicação é correcta e que a segunda não passa de uma fantasia. Mas por que razão pensamos isto? A partir do momento em que distinguimos a) as nossas experiências e b) o mundo que nos rodeia, podemos perguntar como se relacionam. Como sabemos que as nossas experiências representam correctamente o mundo? Será que esta crença está justificada? Se está, qual é a justificação? (…)
James Rachels, Problemas da Filosofia (texto adaptado), Tradução de Pedro Galvão e Revisão de Aires Almeida, Ed. Gradiva, pág. 206-208

10.1.10

Liberdade?

Vou contar-te um caso dramático. Já ouviste falar das térmitas, essas formigas brancas que, em África, constroem formigueiros impressionantes, com vários metros de altura e duros como pedra? Uma vez que o corpo das térmitas é mole, por não ter a couraça de quitina que protege outros insectos, o formigueiro serve-lhes de carapaça colectiva contra certas formigas inimigas, mais bem armadas do que elas. Mas por vezes um dos formigueiros é derrubado, por causa de uma cheia ou de um elefante (os elefantes, que havemos nós de fazer, gostam de coçar os flancos nas termiteiras). A seguir, as térmitas-operário começam a trabalhar para reconstruir a fortaleza afectada, e fazem-no com toda a pressa. Entretanto, já as grandes formigas inimigas se lançam ao assalto. As térmitas-soldado saem em defesa da sua tribo e tentam deter as inimigas. Como nem no tamanho nem no armamento podem competir com elas, penduram-se nas assaltantes tentando travar o mais possível o seu avanço, enquanto as ferozes mandíbulas invasoras as vão despedaçando. As operárias trabalham com toda a velocidade e esforçam-se por fechar de novo a termiteira derrubada... mas fecham-na deixando de fora as pobres e heróicas térmitas-soldado, que sacrificam as suas vidas pela segurança das restantes formigas. Não merecerão estas formigas-soldado pelo menos uma medalha? Não será justo dizer que são valentes?

Mudo agora de cenário, mas não de assunto. Na Ilíada, Homero conta a história de Heitor, o melhor guerreiro de Tróia, que espera a pé firme fora das muralhas da sua cidade Aquiles, o enfurecido campeão dos Aqueus, embora sabendo que Aquiles é mais forte do que ele e que vai provavelmente matá-lo. Fá-lo para cumprir o seu dever, que consiste em defender a família e os concidadãos do terrível assaltante. Ninguém tem dúvidas: Heitor é um herói, um Homem valente como deve ser.

Mas será Heitor heróico e valente da mesma maneira que as térmitas-soldado, cuja gesta milhões de vezes repetida nenhum Homero se deu ao trabalho de contar? Não faz Heitor, afinal de contas, a mesma coisa que qualquer uma das térmitas anónimas? Por que nos parece o seu valor mais autêntico e mais difícil do que o dos insectos? Qual é a diferença entre um e outro caso? Muito simplesmente, a diferença assenta no facto de as térmitas-soldado lutarem e morrerem porque têm que o fazer, sem que possam evitá-lo (como a aranha come a mosca). Heitor, pelo seu lado, sai para enfrentar Aquiles porque quer. As térmitas-soldado não podem desertar, nem revoltar-se, nem fazer cera para que outras vão em seu lugar: estão programadas necessariamente pela natureza para cumprir a sua heróica missão. O caso de Heitor é distinto. Poderia dizer que está doente ou que não tem vontade de se bater com alguém mais forte do que ele. Talvez os seus concidadãos lhe chamassem cobarde e o considerassem insensível ou talvez lhe perguntassem que outro plano via ele para deter Aquiles, mas é indubitável que Heitor tem a possibilidade de se recusar a ser herói. Por muita pressão que os restantes exercessem sobre ele, ele teria sempre maneira de escapar daquilo que se supõe que deve fazer: não está programado para ser herói, nem o está seja que homem for. Daí que o seu gesto tenha mérito e que Homero nos conte a sua história com uma emoção épica. Ao contrário das térmitas, dizemos que Heitor é livre e por isso admiramos a sua coragem.
Fernando Savater, Ética para um Jovem

9.1.10

Quem cala consente?

Usamos muitas vezes este provérbio, sem pensarmos muito nele. Faz parte da sabedoria popular. Mas não resiste à nossa reflexão. É usado frequentemente como desculpa para muitos abusos. Por exemplo, no caso em que se considera que explorar a boa vontade de alguém que não se manifesta contra essa exploração, é moralmente permissível. Se essa pessoa não se manifestar, então, implicitamente, dá o seu consentimento.
O argumento tem forma válida, mas não é sólido, porque uma das premissas é falsa.
A primeira premissa é falsa porque alguém que esteja a ser explorado pode não se manifestar por várias razões: por medo, pode ser severamente castigado pela pessoa que a explora; por incapacidade de se manifestar, caso das crianças pequenas, dos doentes, ou dos diminuídos mentalmente; pode ainda não se manifestar por razões sentimentais, caso dos pais em relação aos filhos, dos avós em relação aos netos, dos amigos entre si. Mas, a razão principal é que é sempre moralmente errado explorar a boa vontade dos outros, porque estamos a usar os outros como meros meios para o nosso bem-estar.
“Quem cala, não consente nem desmente, apenas não se manifesta".
Ana Lopes
10.º F