3.10.11

O que um problema tem de ter para ser filosófico?



São muitos os problemas com que o ser humano se depara, mas nem todos têm utilidade para a filosofia. Importa, então, saber o que um problema tem de ter para ser filosófico.


Em primeiro lugar, são filosóficos os problemas que as ciências empíricas (biologia, física, sociologia, psicologia, ...) não conseguem resolver mediante a observação e a experimentação. Daí se poder dizer que os problemas filosóficos são conceptuais e a priori, na medida em que só podem ser resolvidos usando o pensamento e a discussão críticas, por oposição aos problemas empíricos.


Em segundo lugar, nem todos os problemas que apenas podem ser resolvidos usando a argumentação são filosóficos. Tomemos o seguinte problema como exemplo: "Devem os mais ricos pagar um imposto especial?" Este problema é discutível e para ficarmos esclarecidos relativamente a ele, exige a argumentação, mas não é filosófico. Assim, nem tudo o que é discutível é filosófico. Para que um problema, cuja solução depende da discussão crítica, seja filosófico é necessário que indague sobre a natureza da realidade, do conhecimento e dos valores, ou seja, questione crenças básicas (crenças de cuja verdade ou falsidade dependem as demais crenças).


Há quem, erradamente, julgue que a filosofia se envolve em charadas, tais como a de saber quem veio em primeiro lugar, se o ovo ou a galinha. Há também quem argumente que os filósofos se ocupam de problemas que jamais alcançarão uma solução, pelo que esses problemas ou são desnecessários ou estão mal formulados. Aliás, existiu mesmo um filósofo, Ludvig Wittgenstein, que defendeu que não existem problemas filosóficos, pois estes resultariam de uma má formulação, na medida em que na condição de problema apenas devem constar os que têm solução. Contudo, estes argumentos não são muito aceitáveis, pois existirão sempre problemas que ao incidirem em temas de difícil averiguação empírica, apenas poderão ser objeto de reflexão e de discussão. Por outro lado, considerar que a filosofia é inútil apenas porque não alcança resultados com as suas investigações significa ignorar o acervo de conhecimentos que a nossa civilização foi acumulando ao longo de dois milénios e meio, bem como relegar para segundo plano competências que se exigem dos cidadãos, tais como a de saber pensar, saber argumentar e saber tomar posição face a determinadas situações, bem como agir de forma correta e legítima.

A filosofia não é a ciência com a qual ou sem a qual se fica tal e qual, é antes uma disciplina que nos permite construir o nosso pensamento e nos ajuda a ficar esclarecidos sobre problemas que mais nenhuma ciência ousa tratar.


Desafio: Formula na caixa de comentários um problema filosófico. De seguida, indica a área da filosofia ao qual ele se adequa.




29 comentários:

Pedro Constantino disse...

"O que é o conhecimento?"
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\/
Questão filosófica inserida na área da EPISTEMOLOGIA.

Valter Boita disse...

Olá Pedro! Trata-se de um problema filosófico, sem dúvida! A área também foi corretamente identificada.

Um abraço

Ana Silva disse...

" Será que os animais tem direito?

É uma questão inserida na área da Ética.

Alice Vicente disse...

Há padrões morais comuns a todos os seres humanos? (problema filosófico ético ou moral)

Beatriz Norte disse...

''O nada existe?''

Questão filosófica inserida na área da Metafísica.

Gabriela Costa disse...

"Porque existe o ser em vez do nada?"
(metafísica)

Daniel Vicente disse...

Será possivel entender a paz sem entender o verdadeiro sofrimento?
(Creio que seja filosófico e que esta relacionado com ética)

Catarina Dias disse...

Será que a Beleza existe?

É uma questão filosófica que faz parte da área da filosofia da arte/estética.

Carolina Tereso disse...

"Qual o sentido da vida?"

(penso que seja uma questão filosófica inserida na Metafísica)

Nuno Ribeiro disse...

Será possível alcançar a sabedoria?

Problema Epistemológico.

Tiago disse...

"O que é a justiça?" - Problema filosófico inserido na área da filosofia do direito.

Joana Silva disse...

" Como é que um objecto se torna artístico"

Questão filosófica inserida na área da Estética.

Valter Boita disse...

Olá a todos e desde já vos agradeço os comentários! Espero que continuem a participar neste espaço com sugestões, reflexões e novas ideias.

Ana Silva: atenta na formulação do problema que apresentaste. Perguntar se os animais têm direito não é a mesma coisa que perguntar se os animais têm direitos. Repara que o problema que apresentaste parece ter alguma coisa que não funciona, porque a pergunta pode tornar-se um pouco ambígua, os animais têm direito a quê? À comida, a serem bem tratados? Se apenas perguntarmos "será que os animais têm direitos" (no plural)mais correta é a sua formulação.

Daniel: gostaria que esclarecesses um pouco melhor o problema que apresentaste. Para que o problema seja tratável pela filosofia há que respeitar algumas condições, sendo uma delas o evitar ser um problema tendencioso, ou seja, um problema que aponta já para uma resposta.Parece-me que o teu problema pode desrespeitar esta condição.
Achei o problema original e interessante, mas gostaria de saber o que é que, em concreto, este problema pretende estudar. O que pretendes é saber se para se compreender a paz terá de se passar pelo sofrimento.Será isto?

Carolina: o problema que formulaste pertence à área da metafísica. Se o problema fosse "Será que a vida humana é digna de ser vivida?" pode ser um problema do domínio ético, uma vez que questiona o valor da dignidade, que se trata de um valor ético.

Bom resto de fim de semana para todos! :)

Patrícia Inácio disse...

Será que os Direitos do Homem são realmente iguais para todos?

Pergunta filosófica inserida na área da Ética.

Valter Boita disse...

Olá Patrícia!

Será que o problema que formulaste é "a priori" ou conceptual? Ou melhor, será que esse problema é apenas solúvel pela discussão e pensamento críticos? :)

O que é que têm a dizer sobre isto? Ora, toca a pensar um pouco!

Mariana Alves disse...

Será que existe um universo paralelo?
Metafísica

José Mateus disse...

"Como podemos saber que o mundo onde vivemos não é uma ilusão?"

José Mateus disse...

Correcção:

"Como podemos saber que o mundo não é uma ilusão?"

Problema metafísico.

Valter Boita disse...

Mariana:
Os filósofos não se têm dedicado muito à investigação desse problema. Quanto muito fazem uma EXPERIÊNCIA MENTAL em que imaginam a possibilidade de haver um universo paralelo a fim de averiguar alguns problemas metafísicos. Em consequência disto, não o consideraria um problema filosófico.

Porém, segundo o que estive a ler a "Interpretação de muitos mundos" (ou IMM) é uma interpretação da mecânica quântica que propõe a existência de múltiplos "universos paralelos".

Li ainda que a IMM é uma das muitas hipóteses "multiverso" (universos múltiplos) na física e na filosofia, pelo que de certo modo se trata de um problema que incita a reflexão filosófica, pelas consequências que tem, contudo só pode ser resolvido (e tem-no sido) à luz dos cálculos da física. Portanto, é um problema que requer a interdisciplinaridade entre física e filosofia, mas não é um problema escrupulosamente filosófico.
Mas foi uma boa tentativa! ;)

Daniel Vicente disse...

Saudações...
Professo, para responder á sua resposta, eu digo que sim, é isso que o professor disse na ultima frase(sou muito mau a portugues :P) Eu penso que aidna sou um pouco "preconceitouso" quanto á minha frase mas acredito e argumento que para alguém poder afirmar que está em paz, teria de passar por um verdadeiro sofrimento. E, embora nao seja muito bom nesta area, defendo a frase porque já passei por esse sofrimento.

Cumprimentos
Daniel

Pedro Constantino disse...

Citando a Patrícia:
"Será que os Direitos do Homem são realmente iguais para todos?"

e citando agora o professor:

"Será que o problema que formulaste é "a priori" ou conceptual? Ou melhor, será que esse problema é apenas solúvel pela discussão e pensamento críticos?"

A questão da Patrícia, no meu ver, é um problema mal formulado.
Considerando que existem "Direitos do Homem", então esses direitos são iguais para todo o “Homem”, ou seja iguais para toda a “Humanidade”. Uma vez que estes se referem à humanidade, não poderá existir nenhum tipo de discriminação que favoreça qualquer raça/etnia/"estado social".
Logo este problema resolve-se com a lógica.

No entanto, existem estereótipos que são acusados de não respeitarem os direitos humanos ou mesmo reivindicá-los apenas para eles, discriminando assim os outros.

Termino assim, colocando outra pergunta que formularia ao invés desta:
"Será que os Direitos Humanos se aplicam a todos de igual modo, ou será que existem entidades que se superiorizam ludibriando assim os direitos de outros?"

Esta é uma pergunta empírica, mas que faria mais sentido ser problematizada.

Valter Boita disse...

Olá a todos!
Começo por vos advertir que se não cheguei a comentar outros problemas é porque estão bem formulados e a área da filosofia a que pertencem também foi corretametne identificada.

Daniel: não gostarias de tentar formulá-lo de forma a torná-lo mais filosófico? Para tal deves pensar:
1) Qual é a crença básica que é objeto de problematização?
2) O problema questiona a natureza da realidade, do conhecimento e dos valores?
3) É conceptual/"a priori"?

Contudo, o teu último comentário merece algumas notas. O problema que formulaste parte de uma crença básica sobre o "sentido da vida". Por isso pareceu-me tratar-se de um problema tendencioso que, não obstante de ser de interesse filosófico, contém já a resposta. E qualquer pergunta que contenha a resposta não é nem um bom problema filosófico nem um bom problema científico. Os problemas servem para serem pensados e esclarecidos!

A teu ver, a paz só se experiencia se for precedida de sofrimento.
Claro que, usando a nossa capacidade de interrogação, importaria saber a que "paz" te referes: a paz espiritual ou a paz entre as nações?

A propósito da primeira, a paz de espírito (ou o equilíbrio interior) só é alcancável se passarmos por um período de desequilíbrio e de "guerra" interior, que pode ser descrita como sofrimento. A propósito disto, um filósofo alemão chamado Nietzsche chegou a afirmar algo que tu próprio já sabes e todos sabemos pela experiência quotidiana: "Da escola de guerra da vida: o que não me mata, torna-me mais forte."

Quanto à paz em sentido político, essa depende da guerra e até pode ser entendida como uma consequência desta. Na Grécia Antiga, um filósofo chamado Heraclito de Éfeso defendeu a teoria da harmonia dos contrários, querendo com isto dizer que os contrários, apesar de se oporem e negarem mutuamente, também se completam. Então, a paz sucede à guerra, tal como o estar saciado sucede à fome. No mesmo instante os contrários não podem coexistir, mas um depende do outro e vice-versa.

Em conclusão, não te sintas constrangido por não te saberes exprimir. Há que, acima de tudo, ter ideias e gostar de pensar, porque o resto virá por acréscimo.

Valter Boita disse...

De facto, o problema da Patrícia apresenta um erro de formulação. O Pedro já lhe deu uma ajuda bem preciosa, por que não tentam outros colegas dar uma mãozinha também?
___________________________________
[Pedro]
«Termino assim, colocando outra pergunta que formularia ao invés desta:
"Será que os Direitos Humanos se aplicam a todos de igual modo, ou será que existem entidades que se superiorizam ludibriando assim os direitos de outros?"»
___________________________________

O problema do Pedro continua a não ser filosófico, como ele próprio referiu.
Reparem que podemos interpretar este problema como sendo uma tentativa de analisar se é possível conciliar duas teses (afirmação/ideia que se pretende justificar) opostas:

Tese A: Os Direitos Humanos (DH) aplicam-se a todos de igual modo.
OU
Tese B: Existem entidades que se superiorizam ludibriando assim os direitos de outros - ou por outras palavras, existem entidades que violam os DH.

Daqui podemos considerar que:

- SE OS DH NÃO SE APLICAM A TODOS DE IGUAL MODO, então EXISTEM ENTIDADES QUE VIOLAM OS DH (ou que se superiorizam ludibriando os direitos dos outros). (Hipótese "a priori" e lógica)
- Imaginem agora o caso da China, em que, como a comunicação social nos tem revelado, os DH NÃO SE APLICAM A TODOS DE IGUAL MODO. (afirmação que contém informação empírica, colhida pela observação, por exemplo).
LOGO: _____________________________

O que é que se conclui daqui? Ou não se conclui nada de coerente?

Pedro Constantino disse...

[PROFESSOR]
"O que é que se conclui daqui? Ou não se conclui nada de coerente?"

_____________________________

No meu ver, conclui-se algo bastante coerente e lógico.

A "Tese A" é falsa uma vez que a "Tese B" é verdadeira.


(tomando o exemplo do professor)

Se a China apresenta factos empíricos de que os DH estão a ser violados, então, os DH (para além de estabelecerem uma igualdade à humanidade) não se aplicam a todos da mesma forma, uma vez que são violados pelo poder de entidades que têm o propósito de descriminar certas etnias/raças/estereótipos.

Filipa disse...

Há um problema que eu gostaria de partilhar, mas não sei em que área da Filosofia se encaixa. Alguém me pode ajudar? Aqui fica:

"Pensar é importante?"

Filipa Lindo 10ºC

Valter Boita disse...

Filipa, esse problema diz respeito à área da lógica.

Bom... já agora, gostaria de ler os comentários do resto da turma. Pensar é importante? :)

Anónimo disse...

Adorei a sua maneira de definir problemas filosóficos.
Mas será que as artes e a religião(valores filosóficos) são ciências empiricas?

Valter Boita disse...

Caro Anónimo, neste blogue toda a gente é bem vinda, mas convém que se identifiquem.

Agradeço o seu comentário. No que respeita à questão que me fez, denoto nele algumas confusões.
A primeira confusão é que as artes e a religião não são valores filosóficos. É na arte e na religião que podemos levantar algumas questões que incidem em valores estéticos (belo/feio; sublime, etc.) e religiosos (sagrado/profano, etc).
Por outro lado, as artes e a religião são empíricas, mas encerram em si problemas filosóficos. Passo a explicar: a arte e a religião pode ser objeto de observação e de investigação empírica (imagine, a título de exemplo, que me interessa estudar as diferenças entre os rituais católicos e os budistas ou que pretenda encontrar as semelhanças na forma e texturas dos objetos representados entre os pintores da escola flamenga). Apesar disto, a arte e a religião pode ser objeto de problematização filosófica (o que é a arte?; poderá existir um ser omnipotente?; como conciliar a existência de um ser plenamente bom com o mal?, etc., etc.).

Cumprimentos

João disse...

Sou o "anónimo".
Obrigado, pelo seu esclarecimento. Ajudou bastante!