“Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, eu quis supor que nada há como eles nos fazem imaginar. E, porque há homens que se enganam ao raciocinar, até nos mais simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos, rejeitei como falsas, visto estar sujeito a enganar-me como qualquer outro, todas as razões de que até agora me servira nas demonstrações.”
Descartes, Discurso do Método, Clássicos Sá da Costa, pág. 27
Este excerto de Descartes apresenta-nos as
razões para duvidar das crenças que provêm dos sentidos e da razão. Estas
razões para duvidar surgem da tentativa de Descartes responder ao problema
epistemológico da possibilidade do conhecimento. Descartes pretende refutar o
argumento cético da regressão infinita, pelo que, Descartes não é cético.
Segundo a definição clássica ou tripartida, o
conhecimento é uma crença verdadeira justificada. O ceticismo radical defende
que o conhecimento não é possível, visto que, para justificarmos as nossas
crenças, usamos outras crenças, caindo assim numa regressão infinita da
justificação e, por isso, nenhuma das nossas crenças está verdadeiramente
justificada.
A mais célebre resposta ao desafio lançado
pelos céticos é o fundacionalismo, este começa por distinguir crenças básicas,
que são crenças autojustificadas e autoevidentes, de crenças não-básicas, que
são as crenças que se justificam com outras crenças. As crenças básicas,
segundo o fundacionalismo, são a base para o conhecimento e podem ter origem na
razão ou na experiência. O
objetivo de Descartes é encontrar pelo menos uma crença básica, fundacional, certa
e indubitável, provando assim a existência do conhecimento.
Ele vai adotar a dúvida cética como método -
a dúvida metódica ou dúvida cartesiana. A dúvida cartesiana, para além de ser
metódica é universal, pois aplica-se a todo o tipo de crenças, e é hiperbólica
por ser exagerada, duvidando mesmo de crenças que nos parecem evidentes. Mas é
provisória, pois iremos considerar provisoriamente falso tudo aquilo que seja
minimamente duvidoso e será ultrapassada quando se encontrar uma crença básica.
Descartes considera que para chegarmos a uma
crença indubitável temos de suspender os nossos sentidos e a nossa razão. Ou
seja, não podemos justificar nenhuma crença com base nos nossos sentidos nem na
nossa razão, visto que como ele afirma no texto apresentado, os nossos sentidos
nos enganam algumas vezes - ilusões dos sentidos - não conseguimos mesmo, por vezes, distinguir
a realidade do sono – indistinção entre vigília e sono - e porque às vezes nos enganamos ao raciocinar,
mesmo em raciocínios simples como, por
exemplo, 7x8.
Descartes coloca ainda a hipótese de haver um
génio maligno que nos está a enganar
e a manipular, fazendo-nos crer que existimos, que temos pensamentos e que há um
mundo onde ocorrem fenómenos que logramos captar através dos nossos sentidos,
quando apenas somos personagens ou projeções desse génio tão poderoso quanto
enganoso.
Mas chega à conclusão de que se está a
duvidar, então ele está a pensar, e que para pensar ele tinha de ser alguma
coisa, existir, pelo menos enquanto ser pensante, ou seja, chega ao cogito, a crença “Penso; logo, existo!”,
uma crença básica, autojustificada e indubitável. Descartes refuta assim o
argumento cético da regressão infinita, e prova a possibilidade do conhecimento,
através de uma crença racional, a priori. Descartes é, pois, um racionalista, o que significa
que para ele a fonte prioritária do conhecimento é a razão.
Podemos concluir que Descartes não é um cético, e que ele apenas usa a dúvida proposta pelos céticos como método, ou seja, como ponto de partida, para chegar ao cogito, de modo a conseguir refutar o argumento cético da regressão infinita, e provar, ao contrário do que os céticos afirmam, que há conhecimento, que é efetivamente possível alcançar certas verdades de forma indubitável.
Catarina Filipe 11B