29.12.23

Descartes é um cético?

 


“Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, eu quis supor que nada há como eles nos fazem imaginar. E, porque há homens que se enganam ao raciocinar, até nos mais simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos, rejeitei como falsas, visto estar sujeito a enganar-me como qualquer outro, todas as razões de que até agora me servira nas demonstrações.”

                             Descartes, Discurso do Método, Clássicos Sá da Costa, pág. 27

 

Este excerto de Descartes apresenta-nos as razões para duvidar das crenças que provêm dos sentidos e da razão. Estas razões para duvidar surgem da tentativa de Descartes responder ao problema epistemológico da possibilidade do conhecimento. Descartes pretende refutar o argumento cético da regressão infinita, pelo que, Descartes não é cético. 

Segundo a definição clássica ou tripartida, o conhecimento é uma crença verdadeira justificada. O ceticismo radical defende que o conhecimento não é possível, visto que, para justificarmos as nossas crenças, usamos outras crenças, caindo assim numa regressão infinita da justificação e, por isso, nenhuma das nossas crenças está verdadeiramente justificada.

A mais célebre resposta ao desafio lançado pelos céticos é o fundacionalismo, este começa por distinguir crenças básicas, que são crenças autojustificadas e autoevidentes, de crenças não-básicas, que são as crenças que se justificam com outras crenças. As crenças básicas, segundo o fundacionalismo, são a base para o conhecimento e podem ter origem na razão ou na experiência. O objetivo de Descartes é encontrar pelo menos uma crença básica, fundacional, certa e indubitável, provando assim a existência do conhecimento.

Ele vai adotar a dúvida cética como método - a dúvida metódica ou dúvida cartesiana. A dúvida cartesiana, para além de ser metódica é universal, pois aplica-se a todo o tipo de crenças, e é hiperbólica por ser exagerada, duvidando mesmo de crenças que nos parecem evidentes. Mas é provisória, pois iremos considerar provisoriamente falso tudo aquilo que seja minimamente duvidoso e será ultrapassada quando se encontrar uma crença básica.

Descartes considera que para chegarmos a uma crença indubitável temos de suspender os nossos sentidos e a nossa razão. Ou seja, não podemos justificar nenhuma crença com base nos nossos sentidos nem na nossa razão, visto que como ele afirma no texto apresentado, os nossos sentidos nos enganam algumas vezes - ilusões dos sentidos -  não conseguimos mesmo, por vezes, distinguir a realidade do sono – indistinção entre vigília e sono -  e porque às vezes nos enganamos ao raciocinar, mesmo em raciocínios simples como,  por exemplo, 7x8.

Descartes coloca ainda a hipótese de haver um génio maligno que nos está a enganar e a manipular, fazendo-nos crer que existimos, que temos pensamentos e que há um mundo onde ocorrem fenómenos que logramos captar através dos nossos sentidos, quando apenas somos personagens ou projeções desse génio tão poderoso quanto enganoso.

Mas chega à conclusão de que se está a duvidar, então ele está a pensar, e que para pensar ele tinha de ser alguma coisa, existir, pelo menos enquanto ser pensante, ou seja, chega ao cogito, a crença “Penso; logo, existo!”, uma crença básica, autojustificada e indubitável. Descartes refuta assim o argumento cético da regressão infinita, e prova a possibilidade do conhecimento, através de uma crença racional, a priori. Descartes é, pois, um racionalista, o que significa que para ele a fonte prioritária do conhecimento é a razão.

Podemos concluir que Descartes não é um cético, e que ele apenas usa a dúvida proposta pelos céticos como método, ou seja, como ponto de partida, para chegar ao cogito, de modo a conseguir refutar o argumento cético da regressão infinita, e provar, ao contrário do que os céticos afirmam, que há conhecimento, que é efetivamente possível alcançar certas verdades de forma indubitável.

                                                                                           Catarina Filipe 11B

 

 

6.12.23

Dicionário Escolar de Filosofia

 

Pode consultar AQUI a versão online,  gratuita, do Dicionário Escolar de Filosofia, organizado por Aires Almeida (Lisboa, Plátano Editora). Os artigos são geralmente curtos, directos e informativos. Sem prescindir do rigor, a linguagem é acessível a estudantes.

16.11.23

Dia Mundial da Filosofia 2023

    • A Agência da ONU destaca valor duradouro da disciplina para pensamento humano e construção de sociedades mais tolerantes; o estudo filosófico contribui para enfrentar desafios contemporâneos, promovendo o diálogo intercultural e o pensamento crítico. Ao celebrar o Dia Mundial da Filosofia a cada terceira quinta-feira de novembro, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura destaca o valor duradouro da ciência para o desenvolvimento do pensamento humano, cultura e indivíduos. Neste ano, em 16 de novembro, a Unesco afirma que a filosofia é uma disciplina inspiradora e uma prática quotidiana que pode transformar sociedades. Ao possibilitar a descoberta da diversidade das correntes intelectuais no mundo, a ciência estimula o diálogo intercultural. Ao despertar as mentes para o exercício do pensamento e o confronto racional de opiniões, ela ajuda a construir uma sociedade mais tolerante e respeitosa. Para a Unesco, o seu estudo contribui para entender e responder aos grandes desafios contemporâneos, criando as condições intelectuais para a mudança.

16.6.23

O fim último da moralidade é a procura da felicidade?


 Antal Strohmayer;The Philosophers Garden Athens; 1834


“O fim último da moralidade é a procura da felicidade. Assim, o nosso dever fundamental é que as nossas ações possam promover tanto quanto possível a felicidade.”  

A afirmação apresentada faz referência ao problema da fundamentação da moral, e apresenta uma perspetiva utilitarista. O problema da fundamentação da moral é muito importante, visto que é discutir se haverá um critério capaz de indicar com clareza qual é, em cada caso, a ação moralmente correta e a ação moralmente incorreta, e isso pode alterar o nosso comportamento. Não concordo que o fim último da moralidade seja a procura da felicidade.

O utilitarismo, teoria apresentada por Stuart Mill, é consequencialista, ou seja, considera que uma ação é moralmente correta ou incorreta em função das suas consequências, se as consequências forem favoráveis a ação é moralmente correta, se forem desfavoráveis a ação é moralmente incorreta. Segundo o princípio da utilidade a ação é favorável na medida em que traz felicidade ou bem-estar às pessoas envolvidas e é desfavorável se traz infelicidade. Entende-se felicidade como o prazer e a ausência de dor. O cálculo desta deve ser feito de forma imparcial, ou seja, não deve ser só considerada a felicidade do agente, mas do maior número de pessoas possível envolvidas na situação. No entanto, impor ao agente que seja imparcial na consideração da sua felicidade (e das pessoas próximas) e das outras pessoas é errado e impossível de cumprir. Esta teoria parece justificar, também, ações que intuitivamente consideramos erradas, pois desrespeitam os direitos de algumas pessoas, sendo que não é por maximizarem a felicidade de um elevado número de pessoas que a ação vai passar a ser correta. Outra objeção a esta teoria é a dificuldade de cálculo, visto que nos podemos enganar a calcular as consequências de uma ação, podemos considerar benéficas ações que afinal são prejudiciais e vice-versa. No meu ponto de vista, apesar do utilitarismo ter alguns aspetos que são corretos, esta teoria apresenta muitas falhas e não acho que esteja bem formulada.

Outra teoria estudada para tentar responder a este problema foi a ética deontológica de Kant, esta ética ao contrário do utilitarismo defende que há valores morais que são absolutos, ou seja, há ações que são sempre corretas de realizar e há ações que são sempre erradas de realizar, independentemente das suas consequências. Segundo a ética deontológica deve ser a razão (capacidade de pensar) a dizer o que está certo e o que está errado, qualquer fator externo à razão não tem nenhum papel a desempenhar na moralidade. Os deveres desta teoria baseiam-se no imperativo categórico, um princípio que nos permite distinguir as ações moralmente erradas das ações moralmente certas, estudamos duas fórmulas, a fórmula da Lei Universal, que diz que devemos realizar apenas ações que decorram de máximas (regras) que possam ser universalizadas e a fórmula da Humanidade, que diz que não devemos realizar ações em que as pessoas sejam usadas como meros meios, porque o ser humano é um ser racional, e capaz de fazer escolhas, e por isso a sua autonomia deve ser respeitada. Esta teoria, no meu ponto de vista, responde parcialmente a este problema, no entanto encontra-se incompleta, deixa várias questões por responder e apresenta algumas falhas. É contraditória porque o imperativo categórico pode ser entendido como sendo consequencialista, o teste da fórmula da Lei Universal mostra-nos se as consequências de todos seguirem uma determinada ação, são boas ou más. Pode haver situações em que haja conflitos de dever, ou seja, em que situações em que há dois deveres incompatíveis, que são absolutos, em que o agente fica sem saber como agir. E é errado negar a importância moral dos sentimentos, visto que alguns destes são centrais na vida humana e têm valor moral, pelo que é errado retirá-los da esfera ética.

Concluindo, a questão apresentada faz referência ao problema da fundamentação da moral, e apresenta uma perspetiva utilitarista, com a qual eu não concordo, pelos motivos apresentados anteriormente. No meu ponto de vista a teoria que responde melhor ao problema, é a ética deontológica de Kant, no entanto acho que esta se encontra incompleta e com várias falhas. Por isso acho que esta resposta não chega para responder da melhor forma a este problema, pelo que temos de continuar a estudar, para encontrar um critério capaz de indicar com clareza qual é, em cada caso, a ação moralmente correta e a ação moralmente incorreta.

 Catarina Filipe 


O problema em causa é o problema da fundamentação da moral. Segundo a primeira afirmação o fim supremo da moralidade é a procura de felicidade, e a segunda diz que o nosso dever é que as nossas ações possam promover a maior felicidade possível. É uma opinião utilitarista que defende que as boas ações são as que provocam maior felicidade.

Eu não acho que seja claro qual das duas posições possíveis para abordar este problema seja a correta. Se olharmos para a ética de Kant, percebemos que esta em alguns casos faz sentido e noutros não. Esta diz que devemos agir apenas por boa-vontade não considerando as consequências que a nossa ação possa trazer. O problema é quando há o conflito de deveres. Como todos os deveres, em teoria, são absolutos não devia haver deveres de alguma forma superiores a outros, no entanto intuitivamente percebemos que não é o caso. Tomemos como exemplo uma situação em que um criminoso vem ter connosco e nos pergunta se por acaso sabemos a localização de outra pessoa. Nós, sabendo a localização, e sabendo que dizer a verdade é um dever absoluto deveríamos dizer a verdade. No entanto, possivelmente isso iria provocar a morte dessa pessoa. Salvar uma vida é também um dever absoluto, e creio que, neste caso a maioria das pessoas escolheria mentir e não estaria a agir por boa-vontade, pelo contrário estaria a pensar apenas nas consequências.

Agora, olhando para a ética de Mill, aquela expressada na afirmação, percebemos também que esta faz sentido. No geral parece-me a ética mais fiável e a que devemos seguir, sendo o maior problema o facto de não conseguirmos medir as consequências das nossas ações totalmente. Ao realizarmos uma ação podemos inicialmente achar que iremos proporcionar o máximo de felicidade quando na verdade escapou-nos algum detalhe. A felicidade não é uma grandeza que se meça facilmente, havendo apenas a diferença entre prazeres inferiores e superiores. Sendo assim, quando nos encontramos num dilema temos que escolher bem sem cometer erros, porque as consequências podem ser gravíssimas. No entanto, acho que se pode dizer que “errar é humano”, e que uma jurisdição ética perfeita é tão ou mais impossível que um humano perfeito. O mais importante não é que haja sempre a felicidade máxima, mas sim tentar que essa exista. É irracional pensar que tudo na vida vai correr perfeitamente bem sem problemas pelo caminho. O nosso dever é tentar responder a esses problemas com a nossa própria jurisdição e intuição de maneira que tentemos fazer com que haja felicidade máxima. E por isso sim, pode-se dizer que concordo com as afirmações.

José Maria Ferreira


27.4.23

Devemos tolerar os intolerantes?

 


    Devemos nós tolerar aqueles que não toleram? Este é um problema importante pois no mundo em 
que vivemos, existiram e existem ainda bastantes pessoas e sociedades intolerantes.

Alguns conceitos importantes para percebermos este problema são por exemplo, o  etnocentrismo que é a atitude pela qual um indivíduo ou um grupo social se considera o sistema de referência, julga outros indivíduos ou grupos à luz dos seus próprios valores; ou seja, uma pessoa ou grupo intolerante julga  o outro pela sua maneira de ser ou estar. Esta atitude origina a intolerância.

 O relativismo cultural afirma que todos os sistemas culturais são iguais em valor e que os aspetos característicos de cada um têm de ser avaliados e explicados dentro do contexto do sistema em que aparecem. Torna-se problemático quanto ao conceito de certo e errado, uma vez que certo e errado depende do que a maioria numa dada cultura pensa ser certo e errado. A discriminação é uma consequência da intolerância, pois é na opressão e não aceitação dos outros, que se cria a intolerância.

 Os direitos humanos foram criados justamente para combater a intolerância e a discriminação, mas existem poucos que os seguem à letra. Na opinião de alguns, não existem direitos para certas pessoas, grupos ou etnias. Mas a existência dos direitos humanos serve precisamente para combater este tipo de pensamentos.

Existem dois tipos de direitos, os direitos positivos e os negativos. Os direitos negativos são por exemplo, o direito à liberdade de expressão, direito a associação, entre outros. Estes direitos são aqueles que não exigem nada dos outros apenas a sua compreensão. Já os direitos positivos como por exemplo, o direito à habitação e à saúde são direitos que exigem dos outros uma atividade positiva a seu favor o pagamento de impostos, por exemplo.

 O vídeo que vimos na aula apresenta duas respostas para o problema. A via do diálogo e da argumentação, e a via da supressão da intolerância através de sanções económicas ou ativismo. A via da argumentação não tem sido muito eficaz já que não é obrigatório por lei seguir a declaração universal dos direitos humanos. Por isso, há países dispostos a recorrer à segunda via, oprimindo os intolerantes, tal como Karl Popper defendeu no paradoxo da tolerância. 

 Eu concordo que as vias do diálogo e do ativismo são as melhores soluções pois a intolerância é um problema grave no nosso mundo, e também porque as respostas pacíficas são a melhor solução.

Simão Sousa, 11º I

Arte: Mural Etnias, fonte Wikipédia

Só podemos aprender através do erro?

 

  Desde há muito tempo e até aos dias de hoje, a maneira como se aprende tem sido um problema, e uma das indagações que se coloca é: será que só podemos aprender através do erro? Bem, eu creio que não, não aprendemos só pelo erro, e passarei a seguir a explicitar esta perspetiva.
 Fazer ciência é procurar aprender sobre a realidade, ganhando assim conhecimento sobre a mesma. Na tentativa de explicar como a ciência é feita levantam-se duas teorias que são o Indutivismo (ou o método tradicional) e o Falsificacionismo de Karl Popper. O indutivismo defende que a ciência tem o seu ponto de partida na observação, com a qual, por observação de amostras limitadas, formulam-se teorias universais sobre o funcionamento de acontecimentos determinados e prossegue-se, a seguir, para a confirmação ou verificação parcial da mesma. Este método pode à vista parecer convincente, porém incorre em três grandes problemas apresentados por Popper:
 1º A imparcialidade da ciência: os cientistas não se conseguem desfazer por completo de crenças e características culturais adquiridas ao longo do tempo que são intrínsecas ao seu ser, podendo assim achar-se vestígios de tais características nas suas conclusões científicas;
 2º A injustificabilidade das inferências indutivas por causa do problema da indução;
 3º O método de verificação e confirmação das teorias incorre num pensamento falacioso (falácia da afirmação da consequente).
  Por conseguinte, Popper apresenta a sua perspetiva, o falsificacionismo: consiste em considerar um problema como o ponto de partida da ciência, de seguida apresentar conjeturas (hipóteses “imaginárias” levantadas com base em conhecimento prévio sabido verdadeiro), e realizar tentativas de refutação a estas conjeturas com o objetivo de provar que estão mais próximas da verdade e que são mais corroboradas e mais resistentes a essas tentativas de refutação, mostrando-se assim boas teorias. Chamar também a atenção ao facto de Popper considerar que não podemos assumir uma teoria como verdadeira, pois não podemos confirmar empiricamente todas as situações, deste modo apenas podemos considerá-las corroboradas (que têm alguma propriedade ou “força” na sua afirmação) e resistentes, ou seja, não podemos confirmar o que ela é, mas podemos afirmar o que ela não é (com base nas frustradas tentativas de refutação).
  Posto isto, eu creio que podemos dividir o nosso problema em duas partes: os casos particulares e os casos gerais.
  Nós não precisamos incorrer em erros para termos o conhecimento de casos particulares e podemos ter certeza de que é um conhecimento científico verdadeiro, pois o seu contrário não implica contradição, por exemplo: “há patos negros” é conhecimento, é existente. Esta afirmação é verdadeira pois mesmo que existam patos brancos, não deixa de haver patos negros. Posso considerar assim que não podemos aplicar o falsificacionismo no seu todo em conhecimento baseado em casos particulares, pois não é verificável a veracidade de uma proposição universal de sinal contrário para se refutar afirmações como a do exemplo.  Por outro lado, apenas podemos aprender por erros em teorias científicas universais, pois apenas refutando-as com casos particulares podemos eliminar erros e aproximar-nos cada vez mais da verdade, embora nunca cheguemos à verdade inteiramente verificável.
   Concluindo, podemos aprender com erros, mas estes não são a única maneira de aprendermos, e temos de ser humildes não tirando conclusões gerais de casos particulares.

Panashe Norberto Pinto; 11 B

19.1.23

Podcast 'Como pensar tudo isto?'

 

Pode Ver Aqui o trabalho realizado pelos alunos Bianca Mendes, Érica Adrião, Lina Quitério, Margarida Catarino, Mariana Costa, Martim Carvalho e Pedro Garcia, dos 11ºs D e E.