Ao adotar o ponto de vista
ético, queremos saber como agir de um a forma imparcialmente justificável e,
para esse efeito, de um modo geral não temos de nos importar com aquilo que as
leis dizem. Muita da argumentação (…) envolve duas ideias elementares que
gostaria agora de clarificar.
Uma dessas ideias é o requisito
da universalização. Podemos
elucida-lo assim: Se pensamos que um determinado ato é errado, temos de pensar
que todos os atos que sejam como esse
nos aspetos eticamente relevantes são errados. Em termos mais gerais: se
julgamos que um ato tem uma certa propriedade moral (como ser errado, louvável,
injusto ou simplesmente aceitável), temos de estar dispostos a fazer o mesmo
juízo a respeito de qualquer ato que
não difira dele em qualquer aspeto eticamente significativo. O simples facto de
um ato ter sido realizado por mim,
por exemplo, não tem relevância ética, dado que não o torna imparcialmente
justificável. Seria descabido julgar, violando o requisito da universalização,
que um determinado ato é errado mas que um ato parecido é aceitável, ainda que
estes não difiram em nenhum aspeto eticamente relevante. Isto nunca pode
acontecer. Se há uma diferença moral entre atos, de tal forma que só um deles é
errado, tem de haver uma razão para isso. (E podemos dizer o mesmo de outras
coisas que, à semelhança dos atos, são objeto de avaliação ética, como práticas
ou traços de caráter.) O requisito da universalização compele-nos, pois, a
procurar as razões que sustentam avaliações morais diferentes. Como havemos de
fazer isso? Tentando encontrar princípios éticos que, plausivelmente,
justifiquem essas avaliações. Suponha-se, por exemplo, que considero que uma
dada pessoa agiu de uma forma aceitável ao agredir outra, embora pense que
geralmente é errado agredir pessoas. Terei de apontar, então, uma diferença
relevante entre o ato que avalio positivamente e a generalidade das agressões a
pessoas. Imagine-se que afirmo que o facto de esse ato ter sido realizado em
autodefesa é a razão que o torna eticamente aceitável. Estarei assim a aceitar
o princípio de que em certas circunstâncias, como aquelas que se verificaram,
não é errado agredir em autodefesa.
Passemos à outra ideia
elementar. Esta consiste num requisito puramente lógico: se aceitarmos um
requisito ético, temos de aceitar tudo aquilo que decorre dele, isto é, todas
as suas consequências ou implicações lógicas. Valerá a pena chamar a atenção
para algo tão óbvio? Sim. Pois os princípios éticos indefinidamente vastas e
não nos apercebemos com facilidade de muitas delas. Certos princípios parecem
muito atraentes em abstrato, mas, logo que começamos a descortinar algumas das
suas implicações mais definidas, revelam-se difíceis de aceitar ou mesmo
repugnantes. Para avaliar um princípio ético, há que pensar muito bem naquilo
que este implica, considerando tanto situações reais como casos meramente
possíveis, por muito improváveis ou extravagantes que sejam. Se não estivermos
dispostos a aceitar algumas das implicações de um princípio ético, temos de o
corrigir ou simplesmente rejeitar, sob pena de inconsistência.
(…) Também seria um erro presumir que as questões
éticas, não sendo enquadráveis nas ciências, escapam à investigação racional e
não podem ser examinadas com objetividade. Há muita gente a pensar assim. A convicção
que na ética é tudo relativo ou subjetivo encontra-se bastante difundido – um tanto
surpreendentemente, a par de atitudes de profunda arrogância moral. Espero que,
além de contrariar essa convicção, este livro iniba a arrogância. É que esta atinge mais facilmente quem ainda não
compreendeu como, em muitas questões éticas, é difícil descobrir onde para a
verdade.
Pedro Galvão, Ética com Razões, 2015, Fundação
Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, pp. 9-11
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