12.8.10

Universalidade o que significa?

Imagem retirada deste sítio

"Um fantasma percorre a nossa época chamada pós-moderna: o da universalidade. Como qualquer espectro que se preza, desperta calafrios e repulsa, mas também responde a fervorosos conjuros que o convocam. Os seus partidários consideram-no traço distintivo de qualquer projecto ético digno de consideração, assim como um ideal de alcance político que deveria orientar aqueles que pretendem o definitivo cumprimento da modernidade iluminada; mas outros denunciam-no como esterilizador da ética por pecado de abstracção e como alegação das ambições imperialistas de nações plutocratas, revestidas de uma cultura utilitária de consequências uniformizadoras. Este protesto perante a suposta «uniformidade» castradora é o que se levanta mais frequentemente contra o postulado da universalidade. (...)
(...) Para começar, a própria noção de «universalidade». O que significa? Pelo menos duas coisas muito distintas, segundo a foquemos no plano individual ou como pretensão de impor normas gerais. No primeiro caso, trata-se da decisão pessoal de aplicar as mesmas pautas científicas ou éticas seja qual for a situação, o lugar a pessoa, etc., que solicitem a nossa acção. Orientaremos - cada um dos assim implicados - o nosso pensamento em qualquer ocasião segundo as mesmas leis lógicas ou físicas e comportar-nos-emos com qualquer ser humano de acordo com idênticos princípios do que consideramos como bom tratamento.
No segundo caso, a universalidade consiste na aspiração a alargar à escala mundial certas conquistas técnicas e jurídicas: promover determinadas indústrias produtivas ou profilácticas, impor determinadas obrigações e proteger determinados direitos; o que implica, necessariamente, tender a prazo mais ou menos longo para uma autoridade supranacional efectiva, algo como um Estado Universal (isto é, um estado cujos «cidadãos» fossem estados por sua vez) que garanta coactivamente a aplicação de tais pautas.
É evidente que os dois delineamentos universalistas estão ligados, mas o primeiro não comporta entusiasmo obrigatório pelo segundo. No plano pessoal, a universalidade é uma forma de entender o funcionamento da razão e da ética que só compromete quem a adopta; mas como projecto de instituições de alcance mundial é a aspiração (revolucionária, utópica, o que se quiser) a um novo tipo de mega-império que poderia chegar a transformar gradual mas radicalmente todos os modelos de sociedades políticas em que os homens viveram. (...)"
Fernando Savater, O Meu Dicionário Filosófico, Tradução de Carlos Aboim de Brito, Publicações D. Quixote, Lisboa 2000, pp. 369-372, (Texto adaptado)

Sem comentários: