18.4.10

Conhecimento e justificação

Ana: Haverá alguma forma de as nossas crenças constituirem conhecimento sem recorrer à justificação última?
David: Sim. Por contacto directo, através dos sentidos, ou através de um argumento.
Ana: Pois, mas estes dois tipos de justificação são problemáticos, não asseguram a verdade da crença como bem observaram os cépticos.
David: Em parte é verdade, nós podemos ter duas situações. Ou a justificação implica a verdade, e a crença está justificada, se a justificação implicar uma prova infalível de verdade. Ou a justificação não implica necessariamente a verdade da crença. Neste caso, todas as justificações são falíveis e podem ser questionadas. Penso que esta segunda hipótese é mais plausível. Não é necessário termos provas infalíveis para termos conhecimento. Tanto Descartes como os cépticos radicais estavam enganados neste ponto.
Ana: Podes explicar?
David: Penso que as nossas crenças se inferem de outras crenças, mas, ao contrário do que pensavam os cépticos, todas estão justificadas. As diferentes crenças estão ligadas entre si, justificamos umas a partir de outras.
Ana: Podes dar um exemplo?
David: Olha justificamos a crença de que a água é H2O através da crença nas análises químicas da água, ou justificamos a queda de um lápis através da crença de que os corpos são atraídos para a Terra pela força da gravidade.
Ana: Estou a ver. O nosso conhecimento funciona como uma espécie de rede... como elos numa cadeia. Cada novo elo pressupõe outros elos já existentes.
David: Isso mesmo. Cada crença suporta e é suportada por outras. Formam sistemas corentes e consistentes que se justificam entre si. Quando uma crença se revela falsa é substituída por outra. Não recusamos todas as crenças em bloco nem poderíamos fazê-lo mesmo que quiséssemos.
Ana: Mas, nesse caso, falta ainda justificar a rede como um todo e como é que os nossos sistemas de crenças se ligam à realidade. Parece-me que há aqui alguma circularidade - damos como justificado o que ainda falta justificar -, além disso, podemos descobrir que afinal todo o modelo estava errado e... voltamos ao princípio.
David: Tens razão, há sempre esse risco, mas penso que não é razão para abandonarmos este ponto de vista.
Ana: Então explica.
David: O todo é superior à soma das partes e se o todo funcionar...., se explicar o que precisa ser explicado, então, penso que deixa de haver circularidade ou pelo menos fica bastante limitada.
Ana: Estou a ver. É como o sistema respiratório ou o sistema digestivo no nosso corpo.
David: Isso mesmo, os quais por sua vez se integram em sistemas mais complexos.
Ana: Interessante. Poderemos compreender o todo?
David: Infelizmente penso que não. Afinal a justificação tem de parar em algum ponto. Não podemos encontrar a justificação última. Isso deve-se à nossa natureza, como pensava Hume. Somos finitos!
Ana: É verdade. Mas por que razão, sendo seres finitos, temos esta necessidade de procurar as causas últimas? De almejar o infinito?
David: Essa é uma boa questão.... Talvez Kant tenha algo a dizer sobre o assunto.
Tocou para a entrada. A resposta a esta questão teria de ficar para depois.

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